São nove as ilhas açorianas, mas na região insular são múltiplas as variantes linguísticas com os seus regionalismos e sotaques próprios. Por exemplo, só na ilha do Pico, a denominada ilha montanha, foram detetadas mais de quarenta pronúncias diferentes. Os sotaques terão vindo pelos colonizadores do continente português para os Açores das diferentes regiões do país mas “agudizaram-se” localmente. Segundo especialistas, os continentais do sul terão influenciado o sotaque da ilha de São Miguel, a oriente, e os do norte os das ilhas do grupo central: Terceira, São Jorge, Graciosa e Pico, tendo sido o Faial alegadamente afetado pelo centro, muito provavelmente pela região de Coimbra e arredores.
Um açoriano da Terceira, do Faial, ou mesmo um continental que visita a vila de Rabo de Peixe, em São Miguel, poderá ouvir: “É rapá do caiá, pega naquela bou de tratô e ala candá pá iá”, e dificilmente entenderá que aquele “rapexim”, como em gracejo nos Açores usualmente se designa um habitante de Rabo de Peixe, quis dizer: ei, rapaz do calhau, pega naquela bóia (pneu usado como bóia) de trator e põe-te a andar para a água.
Fazendo 180 graus e direcionando-nos em sentido contrário, um açoriano de São Miguel que vai à Terceira e ouve uma mulher da Feteira dizer que é “um poupo” quando o marido não quer jantar contrariado porque o seu clube de futebol perdeu, não percebe que ela quer dizer que é uma poupança” o homem não ter comido. Durante um jogo de futebol poderá também ouvir que a bola está “pinxando”, o mesmo é dizer que a bola está pulando, ou que aquele não tem “apanhadeiras”, querendo a expressão significar que aquele não compreende as conversas. Esse micaelense, ou continental, poderá ainda ouvir expressões como “não tem tafulho”, significando a expressão que não tem solução, “vais-te sumir” em vez de vais-te perder, ou maroiço”, que quer dizer parede larga de pedra. Durante o inverno, ouvirá no interior da ruralidade terceirense que “o tempo está da porta” quando o vento está do quadrante leste.
Na ilha do Pico poder-se-á ouvir os marinheiros e pescadores dizerem que o mar está “rófe”, querendo isso significar que o mar está muito bravo. “Rófe é uma corruptela de “rough”.
Um dia, eu e uns amigos, todos a estudar em Lisboa e arredores, fomos buscar outro amigo ao aeroporto que chegara de Ponta Delgada para ingressar no serviço militar e que falava tão cerrado e rápido que de todo o grupo apenas poucos percebiam algumas palavras. Com ele a falar sempre fora assim. O rapaz gesticulava muito com os braços e com as mãos e era pelos gestos que íamos “apanhando” qualquer coisa. Imagine-se então um lisboeta! No metro todos se riam ao ouvi-lo falar e quanto mais se riam mais ele tirava partido da situação e mais acentuava a pronúncia falando muito mais cerrado e rápido … e mais se riam os presentes. Digamos ter sido uma cena tipo teatro de revista no underground da capital com uma carruagem quase toda a rir. O homem fazia show. Lembro-me que dizia: “ Ei, foguetabrase, ma qués burre?! Ê tou falande japenês ou quê pa te tás a ri quemum atulêmáde?!”, querendo dizer: Ei fogo te abrase, parece que és burro?! Eu estou falando japonês ou quê para te estares a rir como um tolo? … e mais se ria “o metro” daquele jovem informal cheio de gesticulações, olhares e rires malandros, que, despudorado mas gracioso, atuava para os circunstantes provando que o mar e a distância promovem diferenças.
Se vier aos Açores, por exemplo à Terceira, num mês de verão, que é tempo de corridas de toiros, eventualmente poderá ter a sorte de presenciar um desentendimento entre dois terceirenses acalorados pela cerveja da festa e um a responder à provocação do outro: “Ôei hóme, touros e gente tola paredes altas!” São estas expressões com gracejos e sotaques carregados vindos de montes e vales ilhéus que, para além das paisagens idílicas, cativam e apaixonam quem de fora se aventura a penetrar o arquipélago profundo.
Venha daí, veja, conheça, ouça e delicie-se!