Quando foi a última vez que foi a uma biblioteca, caro leitor? Ou um arquivo? E museus (em Portugal…)? Muita gente, após o término da escolaridade obrigatória, abandona completamente estes espaços. E, infelizmente, percebe-se o porquê. Desde o sentimento pouco apelativo que fica com os jovens estudantes devido a uma associação errónea destas instituições ao mero estudo e à obrigação, à própria falta de investimento destas instituições numa comunicação mais próxima com as comunidades, todos ficam a perder.
Que fique bem claro: a função da biblioteca não é apenas emprestar livros; a função do arquivo não se resume a preservar e organizar documentação; a função do museu não se limita a exibir obras de arte.Resumir estas instituições a funções estereótipadas e preconcebidas há séculos e não lutar para as capacitar com novas missões e objetivos é uma oportunidade perdida. A passividade e o trabalho silencioso – autênticas armadilhas de dormência cultural – dos arquivos e das bibliotecas (os museus, ainda assim, apostam mais aqui) no que toca ao marketing e à criação de uma relação com as comunidades criam um fosso relacional entre si e a população; fosso relacional esse que, a longo prazo, tem, obviamente, efeitos nocivos no que diz respeito às práticas culturais de um povo, aos seus hábitos de leitura, hábitos de pesquisa de informação e capacidade de distinção entre conteúdos fidedignos e não-fidedignos. Um investimento sério, por parte do Governo, nestes espaços e um investimento próprio e empreendedor destas instituições numa abordagem mais direcionada para a sua envolvência na comunidade local, mas também internacional, aproveitando, desta forma, o turismo que Portugal recebe e a própria sociedade global em que vivemos, onde a partilha e troca de informação já não se cinge às cidades, às regiões, ao país.
Em tempos em que parece que o mundo real é somente um teatro para aquilo que se passa nas redes sociais, é preciso ter a capacidade de “jogar o jogo” e dizer “presente!”. Se a sociedade está agarrada ao telemóvel, há que ir para lá também e fazer o possível para mostrar que ainda vale a pena estar na presença de um belo quadro, de um livro magistral ou de um documento importante da História do nosso país – estar presente é valorizar o que se tem à frente.
Já existem esforços consideráveis neste sentido de tornar estes espaços em espaços sociais. A título de exemplo, durante a Feira do Livro do Porto 2024, a Biblioteca Municipal Almeida Garrett ilustrou bem aquilo que pode ser, no futuro, o papel das bibliotecas na sociedade. Para além de já bem preenchida com pessoas a estudar, ler, trabalhar, ainda contou com a presença dos visitantes da Feira do Livro porque fez de questão de ter um programa próprio de suplemento ao evento literário que decorria mesmo à sua frente. Foi bonito de ver. Só a existência de um café/restaurante dentro da própria biblioteca fez com que o movimento aumentasse e houvesse um propósito para ir à biblioteca. O mote de todo este artigo é simples: é possível fazer mais e melhor. Uma política robusta de promoção e desenvolvimento dos arquivos, museus e bibliotecas contribui para uma melhor democracia, uma sociedade civil mais informada e culta, capaz de responder aos desafios do século XXI. A democracia do nosso país também está assente nas instituições que se dedicam ao nosso património porque é nessa relação de entre História e cidadania que está uma participação cívica basilar na estrutura de poder público. Estas instituições têm o potencial para serem vetores centrais na expressão política dos cidadãos: não seria ótimo, por exemplo, se os museus, ao invés de serem o palco para protestos climáticos cujas energias estão manifestamente mal direcionadas, fizerem parte do protesto? Não no sentido de se juntarem ao ato em si, naturalmente, nem a nenhum grupo climático, mas de serem eficazes na forma como contribuem para a educação da população. Até mesmo os arquivos, que ainda assim parecem o terreno menos frequentado pela sociedade civil, podiam deslocar-se até às escolas, mostrando que é possível fazer projetos e trabalhos sem ter de recorrer à Wikipédia ou ao ChatGPT. Coisas básicas mas que, como tudo o que é simples e bem feito, resultam.
Mais pessoas nos museus, mais pessoas nas bibliotecas e mais pessoas nos arquivos significa mais democracia.
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