“Qual a nossa responsabilidade perante os outros e as gerações que estão por vir? Esta é uma das questões que se levantam em Os Filhos, a peça de Lucy Kirkwood em cena no Teatro Aberto. E essa é uma questão que interpela o nosso tempo. Daí a importância do teatro refletir sobre “que legado, que Planeta vamos deixar aos vindouros”, como diz ao JL Álvaro Correia (AC), que encena o espetáculo a convite de João Lourenço, diretor do TA. “É também responsabilidade do teatro escolher o que pôr em cena, aquilo sobre que interessa falar quando fazemos um espetáculo.”
Os Filhos, que têm interpretação de Custódia Gallego, João Lagarto e Maria José Paschoal, uma peça estreada em Londres, em 2016, não é, porém, um “statement” ou um texto “panfletário”, como faz questão de sublinhar AC: “Levanta muitas questões, mas não dá respostas. Confronta-nos de uma forma muito inteligente.”
O ator e encenador destaca também o facto de uma jovem dramaturga, como Lucy Kirkwood, ter escrito uma peça para três personagens com mais de 60 anos. “É uma coisa rara”, salienta. “Por outro lado, tem quase uma estrutura clássica, e é um drama trágico, mas que, ao mesmo tempo, tem elementos risíveis, cómicos, tratando de assuntos muito interessantes e importantes nos nossos dias, temas maiores que são abordados a par das relações afetivas entre essas personagens.”
São três cientistas, que estiveram envolvidos na construção de uma central nuclear e são confrontados com um desastre que a põe em risco. O nuclear, que já estava na mesa com a discussão em torno das energias verdes, aliás, tornou-se ainda mais presente com a invasão da Ucrânia. “Infelizmente, voltou o espectro da guerra nuclear, que pensávamos que já não existia e que é assustador”, observa AC. “Quando a peça foi escolhida e programada estava-se longe de toda esta situação de guerra, mas de alguma maneira fica ainda mais actual. Já não bastava as alterações climáticas e o pouco que se tem feito, e agora a ameaça nuclear completamente irresponsável.”
As alterações climáticas, a necessidade de preservação do planeta, a ética e a ciência são assuntos que se afloram no texto da dramaturga britânica de uma forma “muito bem articulada”, como sublinha ainda AC. E essa é a porventura a chave da boa recetividade do público: “As pessoas riem-se e, ao mesmo tempo, ficam extremamente perturbadas e tocadas, porque há também a dimensão do envelhecimento e da morte. E está em causa qual a nossa capacidade de altruísmo, de sacrifício pelo bem-estar dos outros.”
Álvaro Correia, na sua encenação, procurou a plasticidade de uma certa “estranheza”, de uma central de energia nuclear, como se as personagens não conseguissem sair dessa atmosfera, ao mesmo tempo que acentuou o “adensamento” do seu relacionamento. Para isso, contou com a cenografia do artista André Guedes, a sonoplastia de Vitória, a luz de Manuel Abrantes, os figurinos de Ana Paula Rocha. Os Filhos ficam em cartaz, na Sala Vermelha do Teatro Aberto, até 3 de julho.