O tratamento de dados tem a mestria de nos permitir falar do mesmo, mas com perspetivas tão enviesadas que pode chegar a parecer que estarmos a falar de realidades diferentes. No tema da dívida pública este é um fenómeno evidente! Ouvir afirmações como “O rácio da dívida pública caiu mais de 10 pontos percentuais” pode dar a sensação de estarmos num caminho de redução do endividamento. A afirmação é verdadeira, mas dela não podemos concluir que reduzimos a dívida.
O rácio da dívida pública é medido em função da atividade económica gerada no país, ou seja, em função do PIB. Ora, uma matemática simples ajuda-nos a perceber que se o denominador aumenta e o numerador não acompanha esse aumento, o rácio é sempre inferior: se 2 pessoas têm gripe num grupo de 10, temos uma taxa de incidência de 20%. Se 3 pessoas têm gripe num grupo de 20, temos uma taxa de incidência de 15%. A taxa melhorou, mas o número de doentes aumentou. Da mesma forma se percebe que se o PIB aumenta é provável que o rácio da dívida baixe, mas isso não significa que o valor da dívida seja menor.
O país tem hoje uma dívida de 279 mil milhões de euros, sendo essa dívida no ano passado de 270 mil milhões de euros. Este crescimento é tanto mais assustador quanto recuperarmos que no início de 2015 a nossa dívida era de 230 mil milhões (estamos perante um aumento de 22% da dívida pública em 8 anos).
Muitos dirão que a dívida é um instrumento financeiro legítimo, útil e até próprio de economias avançadas, mas o que ninguém poderá dizer é que este ritmo de crescimento de dívida é saudável e que não compromete o futuro. Compromete e muito! O nosso e o das gerações vindouras. As dívidas acarretam juros que sobrecarregam e condicionam as opções políticas. O facto de sistematicamente precisarmos de refinanciar a dívida, leva-nos a estarmos sujeitos, enquanto país, às mesmas dificuldades que os particulares com crédito habitação de taxa variável estão a sentir. A estimativa do impacto dos juros nas contas públicas é de tal ordem que equivale a 2 vezes o valor total do PRR para Portugal.
Não ter como prioridade reduzir a dívida leva-nos a um aprisionamento que tem impacto direto no nosso bem-estar enquanto sociedade. Podemos ficar contentes com as promessas de alívio da carga fiscal, mas todos percebemos que o país está sem capacidade de fazer reformas estruturais urgentes, como por exemplo na área da saúde. Não é próprio de um país evoluído ter tantas falhas na resposta pública de
cuidados hospitalares (não é por acaso que já são mais de 4 milhões os portugueses com seguro de saúde). O que assistimos hoje, com preocupação na saúde, é uma amostra do que vamos sentir no curto-médio prazo em tantas outras áreas.
Precisamos de transparência e cidadãos esclarecidos para que deixemos de valorizar em primeira linha as opções políticas baseadas na lógica do imediatismo, e que se traduzem em euros no bolso, mas sim naquelas que realmente trazem valor económico e que não comprometam o nosso futuro nem o das próximas gerações.