O negociador-chefe da União Europeia para o Brexit considerou hoje que o processo de saída do Reino Unido é possível dentro do calendário apertado que as duas partes têm sobre a mesa, que é possível construir uma relação com base na amizade a na cooperação entre as duas regiões, mas avisou que o pior cenário não está ainda afastado.
“O risco de estarmos à beira do precipício mantém-se. Temos de continuar vigilantes e preparados para essa possível saída. Mas se conseguirmos concluir essa negociação no curto espaço de tempo, embora o Brexit seja uma perda para ambos os lados, podemos conseguir uma relação de amizade, cooperação e a ambição conjunta de um futuro melhor,” sinalizou esta terça-feira Michel Barnier.
O responsável, que intervinha no Web Summit em Lisboa, disse que as consequências da saída estão a ser “subestimadas” e que é necessário que um acordo com Londres garanta a proteção do mercado único da União, uma relação futura com o Reino Unido e a paz. “É na Irlanda do Norte que o Brexit cria os maiores problemas. Não estamos a falar de bens ou de comércio, mas de pessoas, de paz e estabilidade,” avisou. Antes, já tinha deixado um desabafo: “Deixem-me ser franco: até agora, ninguém me conseguiu explicar o valor acrescentado do Brexit. Ninguém. E nem mesmo Nigel Farage,” referindo-se ao líder do partido do Brexit e um dos maiores entusiastas da desvinculação.
Sobre a parceria económica e estratégica que terá de ser construída nos próximos meses (se o Reino Unido sair da União Europeia a 31 de janeiro e não decorrerem novos prolongamentos, haverá apenas 11 meses para a transição), Barnier assumiu que a negociação será “difícil e exigente.” No pilar estratégico, é preciso assegurar que os dois territórios continuam a partilhar informação de segurança e a cooperar contra ameaças comuns. No pilar de construção de uma nova relação económica a União Europeia vai insistir em garantias no que diz respeito ao comércio transfronteiriço. “A UE não tolerará a concorrência injusta do Reino Unido. O Reino Unido não pode pensar que será suficiente zero tarifas e zero quotas: insistiremos também em zero dumping,” atirou.
A 17 de outubro o governo britânico e a União Europeia chegaram a acordo sobre os termos da saída. A Casa dos Comuns aprovou o acordo mas não completou a ratificação e o Reino Unido pedido mais tempo para esse procedimento e, entretanto, para a realização de eleições. Há uma semana a União Europeia formalizou a aceitação do terceiro adiamento da data de saída do Reino Unido da União Europeia, agora aprazada para 31 de janeiro de 2020. Pelo meio, os britânicos irão às urnas em 12 de dezembro, eleições de onde sairá uma nova configuração parlamentar e um novo Governo.
O negociador chefe espera que, após as eleições, o Reino Unido siga o mesmo caminho que permitiu, nas últimas semanas, chegar a um entendimento. Mas o processo está longe de terminar. “O Brexit é uma escola de paciência, de tenacidade. E mesmo a ratificação não será o fim da história. Não é um destino, é um passo para construir uma nova parceria com o Reino Unido,” admitiu.
Barnier sublinhou ainda a importância de os dois territórios continuarem a cooperar em matéria de inovação e ciência, para preservar o lugar do Velho Continente no panorama global. “Hoje os Estados Unidos e a China lideram. Se não agirmos agora, o futuro da nossa indústria, trabalho e padrões éticos será feito em Washington e Pequim,” avisou.
E teve ainda tempo para deixar uma nota pessoal, quando, “há muito tempo”, passou dez anos a organizar os Jogos Olímpicos de Inverno nos alpes. “Dez anos de trabalho para 16 dias. É um bom treino para o Brexit. Mas isto ensinou-me uma coisa: resolver qualquer problema na vossa vida pessoal e profissional é muito mais fácil quando o pomos em perspetiva. É o que faço desde o primeiro dia. Qual é a nossa perspetiva para lá do Brexit?,” disse.