Num País em que a literacia financeira é baixa e o nível artístico de certos intervenientes políticos é elevado, a venda de ilusões é uma actividade fácil e até de sucesso (temporário) garantido. Esta proposição, que não é certamente nova, aplica-se que nem uma luva a este ano pré-eleitoral de 2019 e a muitos dos que o precederam, com a intervenção de múltiplos e variados intervenientes de talento muito variável. A situação do País, de facto muito melhor do que em 2011, é agora caracterizada da seguinte forma: as finanças públicas apresentam fluxos equilibrados (saldo nulo), a dívida pública em percentagem do PIB está a descer convergindo para valores a dois dígitos na primeira parte da próxima década, a economia cresce mais do que as dos países mais desenvolvidos da Zona Euro e a prova de que tudo está bem é que os juros da dívida estão historicamente baixos e há muito que não se comportavam tão bem. Os factos acima referidos são indesmentíveis e é, portanto, bonita a fotografia que hoje caracteriza a nossa economia. Sobretudo, se tirada do ângulo que escolhi e acima retratei.
O problema é que um plano bonito num filme pode perfeitamente conviver com um enredo complicado. E, infelizmente, parece ser esse o caso. Para tal, há que recorrer a alguma informação adicional que traga um pouco de luz sobre aquilo a que os economistas chamam “as dinâmicas” de alguns dos agregados acima referidos. Comecemos pelo Produto e sua evolução ao longo dos últimos anos. Se considerarmos o período desde 2005 (abrangendo os governos de José Sócrates, Passos Coelho e António Costa), verificamos que a nossa posição relativa (medida em PIB per capita em unidades de poder de compra) se degradou no conjunto dos 28 membros da União Europeia e que, em concreto, países como a República Checa, Polónia, Lituânia, Letónia, Estónia, Eslováquia, Eslovénia, Irlanda, Hungria, ou se tornaram mais ricos do que Portugal ou se aproximaram dos nossos níveis de riqueza. Ou seja, apesar da euforia noticiosa dos últimos anos, a nossa posição relativa na Europa (continente envelhecido de crescimento lento) tem-se vindo a degradar. A evolução do nosso Produto potencial e da taxa de crescimento potencial do Produto não acrescentam boas notícias no curto e médio prazo a este desempenho medíocre.
Também a evolução das finanças públicas parece bem melhor do que realmente é. Novamente, um retrato bonito num filme que pode não ter o final esperado. Por um lado, há a fase do ciclo económico que temos vindo a viver, aumentando a receita fiscal e a receita da Segurança Social e baixando a despesa social do Estado. Por outro lado, a política monetária expansionista do Banco Central Europeu tem mantido os juros artificialmente mais baixos do que num contexto de menor “agressividade monetária”. A inversão de ciclo vai ter impactos negativos (como sempre tem) quer do lado da despesa quer do lado da receita. E o quantitative easing, apesar de ter vindo a registar um quase permanente adiamento do seu fim, não durará para sempre. Acresce ainda, e não é pouco, que a contenção nas despesas de funcionamento da Administração Pública é tão e apenas contenção, consequentemente com eficácia limitada no tempo, mesmo dada a habitual complacência dos portugueses à degradação dos serviços públicos quando o governo é de esquerda. Finalmente, a falta de investimento da Administração e das empresas públicas já compromete muito os serviços prestados e, se não revertida, conduzirá a um cenário difícil de imaginar. Ou seja, um belo retrato a esconder algo que corre o risco de se transformar num drama.
A tudo isto acresce o estado geral de uma economia em que tudo é empurrado com a barriga, onde o capital empresarial continua a ser muito escasso, onde o sucesso do turismo e de algumas empresas tem tapado a dificuldade geral de competir com vantagem num mundo muito incerto mas cada vez mais competitivo. É certo que atrair mais investimento estrangeiro produtivo pode ter um contributo importante, mas o que se tem passado na Autoeuropa ou no sector da energia, entre outros casos, não tem contribuído muito para a reputação do País entre investidores relevantes, apesar dos elogios do senhor Paddy Cosgrave da Web Summit. E sem aqueles, com a falta de capital e poupança que temos, não vejo hipótese de grandes taxas de crescimento.
Se nada mudar significativamente não antevejo a chegada de qualquer Diabo mas a continuação do caminho para uma cada vez maior irrelevância económica. Não é o inferno. Mas também não é um filme com final feliz.
Artigo publicado na edição de Junho da Exame