Na cozinha da sua casa, na Arrábida, Raquel Gaspar tem um quadro enorme em que podemos ler: “Eu tenho o sonho de reflorestar o mar de Portugal com as guardiãs do mar.” Escreveu-o já neste ano, entre o desespero de ver a pandemia afundar o projeto da sua vida e a resiliência que o mar, a grande fonte de inspiração, sempre lhe traz.
A ONG fundada pela bióloga marinha há cinco anos tinha conseguido finalmente cimentar um modelo de financiamento assente em ações de educação e de team building, sem depender da angariação de fundos para cumprir o trabalho, mas “todas essas atividades dependiam de grupos, e em 2020 não conseguimos fazer um único euro!”. Foram “mesmo ao fundo” e isso, sem trocadilhos, reforçou-lhe a vontade de estar dentro de água. Brinca, dizendo que os “óculos de mergulho são a maior invenção da Humanidade”, porque esta é a sua terapia: “mergulhar, sobretudo nas pradarias marinhas que me recordam a razão de aqui estar”.
Raquel cresceu longe do mar, numa pequena aldeia perto de Leiria, e ainda se lembra bem “do dia em que começaram os episódios de Cousteau na televisão.” Era apenas uma criança, mas “nunca mais tive dúvidas do que queria ser.” Também “queria viver num barco, como ele”, e Raquel consegui-o, na faculdade, a bordo do Song of the Whale, uma embarcação do IFAW (Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal), sediado nos Açores. A licenciatura empurrou-a, em 1992, para a Reserva Natural do Estuário do Sado e por aqui ainda hoje continua, embora, desde 2015, totalmente dedicada à Ocean Alive. Raquel desenvolveu um projeto único, no sentido em que envolve a comunidade local nos esforços de proteção, especialmente as pescadoras e as mariscadoras locais, as “Guardiãs do Mar”, cujo sustento depende também da saúde destas florestas de plantas subaquáticas que oferecem proteção e nutrientes a tantas espécies. O bacalhau, por exemplo, cresce nas pradarias do Norte da Europa, e as do Sado albergam chocos, robalos e douradas, embora já tivessem tido muitas mais.
“Há 10 anos, havia extensas pradarias na Caldeira de Troia que hoje já não existem. Se recuarmos 40 anos, e as nossas guardiãs têm essa memória, o estuário era um mar de pradarias.” Atualmente, já só subsistem em locais específicos, e a grande culpa foi a construção dos estaleiros da Lisnave que “levaram a uma dragagem gigante do estuário. A Cidália – uma das guardiãs – colocou-se à frente das dragas para pará-las, porque via o seu ganha-pão desaparecer”. São essas bolsas que a Ocean Alive mapeia e protege num modelo comunitário que “sonha” exportar para as restantes pradarias de Portugal. São cerca de nove, descendo desde a ria de Aveiro até ao Algarve e Madeira, “porque ninguém as conhece melhor do que as comunidades locais”.
Mas a importância das pradarias não se esgota como berçário. Elas são também um dos grandes sumidouros de carbono do planeta, infinitamente mais eficiente do que as florestas terrestres. “As árvores duram dezenas, muito raramente centenas de anos”, e quando caem libertam o carbono de volta, ao passo que “uma pradaria madura pode durar um milénio”, explica, e é por isso que, apesar de ocuparem apenas 0,02% da área marítima mundial, conseguem reter 10% de todo o carbono azul.
Foi por isso que a Ocean Alive apresentou, recentemente, uma recomendação ao Governo no sentido de incluir as pradarias marinhas na estratégia nacional de neutralidade carbónica. Essa estratégia, que nasce do Acordo de Paris, assenta basicamente em dois pilares: as energias renováveis e a nossa capacidade de armazenar carbono que passa pela reflorestação. “Investimos muito no combate aos fogos florestais, mas era fundamental investir também nas florestas marinhas. Temos muito mais a ganhar, porque um hectare de pradaria marinha sequestra 35 vezes mais carbono do que um hectare de floresta terrestre.” Em todo o mundo, já perdemos um terço destas florestas, e elas continuam a desaparecer a um ritmo equivalente a dois campos de futebol por hora.
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