Ao longo de dez dias, mais de mil atletas passam pelos Jogos Paralímpicos de Paris. Histórias há muitas, mas nenhuma como a da desportista grávida de sete meses, a da arqueira que ficou noiva em frente à Torre Eiffel (e também está grávida), a do homem que de tão alto não cabe nas camas olímpicas ou a de um infeliz caso de doping, made in Portugal…
Tracy Otto, a noiva
Talvez pela violência da razão que pôs esta atleta numa cadeira de rodas, o final feliz da história de Tracy tem emocionado estes jogos paralímpicos.
Esta desportista da equipa de tiro com arco americana ficou paraplégica na sequência de um ataque por parte de um ex-namorado que já havia deixado há mais de um ano. Ele violou-a, esfaqueou-a, deu-lhe socos e um tiro no olho, enquanto ela dormia com o novo parceiro em sua casa, na Florida, em 2019.
Ricky Riessle, que ainda hoje é o seu companheiro, também sofreu duros golpes durante a agressão a ambos, há cinco anos. Agora, em Paris, aonde foi para ver o desempenho da namorada, que se agarrou ao desporto adaptado para compensar tudo o que perdeu naquela noite, e foi muito mais do que a mobilidade, decidiu pedi-la em casamento, com a Torre Eiffel como cenário. Nas fotos do Instagram, vê-se este americano ajoelhado junto à cadeira de rodas a dar um vistoso anel a Tracy Otto. “Posso não ter ganho nenhuma medalha, mas levo algo brilhante para casa”, escreveu, emocionada.
Mais: o casal aproveitou para anunciar o nascimento do primeiro filho, em janeiro, algo que até então tinham mantido em segredo, por precaução.
Morteza Mehrzadselakjani, ser demasiado alto para o mundo real
O iraniano Mehrzad, como lhe chamam os amigos, mede 2,46 metros e tem os títulos de segunda pessoa mais alta do mundo e a sétima mais alta de sempre. Ao mesmo tempo, tornou-se bicampeão paralímpico de voleibol sentado e está nesta edição dos jogos a competir pelo terceiro ouro da sua carreira.
Apesar de já ter sido considerado o melhor jogador do mundo, por três vezes, isso não lhe garante que lhe sejam concedidas todas as condições para estar confortável com a sua altura. Por estes dias, o atleta dorme no chão, pois as camas que a organização dos Jogos disponibilizam são, evidentemente, demasiado pequenas para que Morteza lá caiba e possa descansar como estas provas exigem.
Não se percebe a distração: em Tóquio, o atleta esteve bem instalado numa cama especial, feita ao seu tamanho. Em Paris, só depois do treinador reclamar para a comunicação social é que a organização garantiu que iria arranjar uma cama à sua medida. Um porta-voz dos Paralímpicos afirmou que poderiam providenciar duas extensões, mas mesmo assim não foi suficiente.
“Ele não se importa se tiver de dormir no chão ou se não houver comida suficiente. Em qualquer dos casos, está mentalizado que vai ser campeão novamente”, afirmou o seu treinador.
Jodie Grinham, uma medalhada grávida
A organização garante: a britânica Jodie Grinham foi a primeira atleta a subir ao pódio (logo duas vezes, uma em terceiro lugar, outra, em equipa, em primeiro) com um bebé na barriga. Aos 31 anos, a atiradora com arco, está grávida de sete meses do seu segundo filho e por causa disso não pode saltar nem berrar como queria, na hora de receber as medalhas. “Como estou grávida, o melhor a fazer foi agachar-me e esperar um segundo e depois já pude dar abraços e essas coisas. Foi como ser uma criança no Natal e receber o meu brinquedo favorito”, disse à BBC, meio atabalhoada pela emoção.
Na semana passada, a desportista que arriscou em ir para a maior das competições grávida, teve um susto que a levou a um hospital da capital francesa. Só depois de saber que tudo estava bem, Jodie seguiu para as suas provas de tiro ao alvo. “Nada é impossível”, é a mensagem que quer deixar nestes Paralímpicos.
Simone Fragoso, aqui há doping
O seu nome deveria ter ficado inscrito na História como a primeira mulher portuguesa a participar de uma prova paralímpica de powerlifting, um desporto de força, cujo objetivo é levantar o maior peso possível em cada um dos movimentos de agachamento, supino e peso morto. Em vez dessa competição, na categoria -41 kg, Simone já está a caminho de Portugal como a atleta desclassificada por ter tido um resultado positivo nas análises antidoping.
“É com enorme desilusão que informo que não me será possível participar nas competições. Regresso a casa sem a sensação de dever cumprido e com uma enorme tristeza. Agradeço a todos os que, mais uma vez, me apoiaram incondicionalmente neste percurso, garantindo que tudo farei para contestar esta decisão”, escreveu no seu perfil de Instagram.
Luís Figueiredo, chefe da missão portuguesa nos Paralímpicos, disse à agência Lusa que “a atleta está agora suspensa e tem 10 dias para argumentar e apresentar provas que, eventualmente, a possam ilibar, num processo que terá de ser gerido pela própria, de acordo com as regras que emanam da Agência Mundial Antidoping”.
Apesar deste episódio, é impossível manchar a carreira da atleta de Palmela, de 44 anos. Esta seria a sua quarta participação em Paralímpicos, embora nas anteriores edições (Pequim, Londres e Rio de Janeiro) o tenha feita enquanto nadadora, desporto que praticou desde os 24 anos, para obviar os seus problemas de mobilidade. O powerlifting é mais recente na sua vida, um desafio a que se atirou depois de não ter sido qualificada para Tóquio 2020, mas já consegue levantar quase o dobro do seu peso (28,5 quilos).