Durante décadas, não havia país no mundo árabe que, face a uma dificuldade, não soubesse a quem recorrer. A Arábia Saudita, maior potência económica da região, assente em descomunais reservas de petróleo, estava sempre pronta a ajudar, incondicionalmente e a fundo perdido, os países vizinhos e aliados. Esses tempos, porém, acabaram. A maior monarquia do Golfo Pérsico percebeu que o “ouro negro” não é inesgotável, que esses investimentos tinham de ter retorno e, sobretudo, que a influência na região e no mundo podiam passar por outros fatores que não apenas os financeiros. A relevância que alguns vizinhos, nomeadamente o Qatar e os Emirados Árabes Unidos (EAU), começaram a ter no mundo fez com que a Casa de Saud, família real saudita, percebesse que era importante não só diversificar as fontes de rendimento, além da do petróleo, como também apostar numa nova imagem do país – mais moderna, liberal, respeitadora de direitos e aberta ao exterior. Foi nessa lógica que, depois de comprar o Newcastle United, num gesto que ia ao encontro do que os países limítrofes fizeram quando entraram em força no capital de grandes clubes de futebol (o Qatar no PSG e os EAU no Manchester City, só para citar os mais relevantes), a aposta de Mohammed bin Salem, príncipe herdeiro, regente e primeiro-ministro, se virou para a própria liga saudita. Tratou-se de apostar as fichas naquilo que se passou a chamar “sportswashing”, uma lavagem de imagem de um país com um historial terrível em matéria de Direitos Humanos. E tudo começou com Cristiano Ronaldo.
No último verão, os clubes da liga saudita de futebol investiram €950 milhões em contratações. Um ano antes, não tinham ido além dos €45 milhões
Depois de já ter entrado nos circuitos mundiais de Fórmula 1, todo-o-terreno, golfe ou boxe, o investimento no futebol surge como resposta aos excelentes resultados conseguidos pelo Qatar na organização do Mundial2022. Com a ambição de alavancar o futebol saudita a ponto de dotar a liga local de uma relevância semelhante à das Big 5 europeias (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França), a aposta passou por conseguir contratar jogadores de grande prestígio mundial e ainda com capacidade de jogar ao mais alto nível. É aqui que entra Cristiano Ronaldo, que mantém, aos 38 anos, muitas das capacidades intactas, nomeadamente a de ser o centro das atenções mundiais. Contratado em janeiro a custo zero, mas com um ordenado anual a rondar os €200 milhões, o CR7 mostrou o caminho a outros astros do futebol, que, no verão, aceitaram rumar à liga saudita. Para que isso fosse possível, o monarca de Riade abriu os cordões à bolsa, investindo 650 milhões de dólares (qualquer coisa como €593 milhões) para que os quatro principais clubes pudessem contratar os melhores profissionais e construir estruturas, físicas e humanas, que promovessem a deteção e a formação de novos talentos. Com todos os clubes sauditas a investir cerca de €950 milhões em transferências, só nesta época de 2023/2024 (no ano anterior, esse investimento não foi além dos €45 milhões), chegaram ao país centenas de craques e treinadores vindos do futebol europeu, nomeadamente o Bola de Ouro Karim Benzema, que trocou o Real Madrid pelo Al-Ittihad a troco de €100 milhões por ano, e Jorge Jesus, que regressou ao Al Hilal para se tornar o quarto treinador mais bem pago do mundo, com um ordenado mensal a rondar os €15 milhões.