Foi em setembro do ano passado que Malisse Kafi, de 11 anos, ficou infetado com o novo coronavírus. Desde desse momento, a criança tem dificuldades em comer porque “tudo sabe a ovos podres”. Apesar de parecer uma desculpa para não comer as verduras, Malisse não está a brincar: ele sofre de parosmia, condição que distorce o olfato e o paladar, normalmente para cheiros e sabores mais desagradáveis. O caso desta criança foi usado como objeto de estudo de uma equipa de investigadores da Universidade de East Anglia (UEA) e da Fifth Sense, instituição para pessoas com distúrbios do olfato e paladar, que alertam que a parosmia está a afetar “cada vez mais crianças” e partilham orientações para os pais e os profissionais de saúde poderem ajudar as crianças.
A mãe, Dawn Kafi, que vive em Liverpool, no Reino Unido, conta que, numa fase inicial, pensou que a comida estava estragada. “Ele só dizia que a comida sabia a cocó, a esgoto ou até a ovo podre”, começa por relatar. “Começou a deixar de comer, e quando comia vomitava ou engasgava-se. Foi horrível”.
“A parosmia é considerada a condição de ter menos recetores de olfato a funcionar, o que leva a ser apenas capaz de captar alguns dos componentes de uma mistura de cheiros”, explica Carl Philpott, professor na Norwich Medical School da UEA.
O especialista afirma que cerca de 250 mil adultos no Reino Unido sofreram parosmia como resultado da infecção por Covid-19. “Mas, nos últimos meses, principalmente desde que a Covid começou a espalhar-se nas salas de aula em setembro, temos mais consciência de que cada vez mais esta condição está também a afetar as crianças”.
A parosmia faz com que muitas crianças comecem a ter problemas nutricionais e até a perder peso, como foi o caso de Malisse. Em novembro, já depois de ter sido diagnosticado com esta condição, o menino “já tinha perdido cerca de dois quilos e chegou ao limite de ter de ser levado de urgência para o hospital, desidratado e a arrastar as palavras”, conta a mãe. A certa altura, Malisse teve de começar a ser alimentado por sonda.
Assim, e para que esta condição seja reconhecida mais cedo, os especialistas afirmam que, em primeiro lugar, as crianças devem ser ouvidas e os pais devem acreditar no que elas dizem, assim como anotar os alimentos que são saborosos e os que não são. “Os pais e os profissionais de saúde devem encorajar as crianças a experimentar diferentes alimentos com sabores menos fortes, como massas, bananas ou queijos suaves – para ver com o que podem lidar ou desfrutar”, aconselha Philpott.
No mesmo sentido, o especialista diz que batidos de proteína e vitaminas sem sabor ou com sabor a baunilha “podem ajudar as crianças a obter os nutrientes de que precisam, mas sem sabor”.
Além disso, crianças e adultos devem considerar o “treino do olfato”, que surgiu como uma opção de tratamento simples e sem efeitos secundários. “O treino do olfato envolve cheirar pelo menos quatro odores diferentes – por exemplo, eucalipto, limão, rosa, canela, chocolate, café ou lavanda – duas vezes por dia todos os dias durante vários meses”.
No caso do Malisse, a situação está a ficar normalizada, tendo alguns alimentos “seguros” que pode comer, incluindo salmão, wraps de tortilha, laticínios, gelado de framboesa derretido e sumo de romã. “As coisas estão a melhorar lentamente, mas ele ainda está extremamente cansado e com frio o tempo todo”, conta a mãe. “Ele ainda está muito magro e perdeu muito músculo. Isto causou-lhe muitos problemas de saúde, incluindo problemas intestinais e dores nas pernas”.