Podemos ter cerca de um ano até que as vacinas contra a Covid-19 de primeira geração percam a eficácia e sejam necessárias novas versões atualizadas. A previsão é feita por dois terços dos 77 epidemiologistas, virologistas e especialistas em doenças infecciosas, de 28 países (onde não se encontra Portugal), inquiridos numa sondagem levada a cabo pela People’s Vaccine Alliance, uma coligação de organizações que inclui a Amnistia Internacional, a Oxfam e UNAIDS.
A razão para os prazos tão apertados apresentados pelos cientistas inquiridos parece prender-se, particularmente, com a ameaça que representam as variantes do vírus – algumas mais transmissíveis, mortais e menos suscetíveis às vacinas – que começaram a surgir e a disseminar-se pelo mundo.
Quase um terço dos especialistas arriscou mesmo prever que, provavelmente, a eficácia das vacinas poderia perder-se dentro de nove meses ou menos, mas Luis Graça, imunologista do Instituo de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa, alerta para o facto de os dados atuais serem ainda insuficientes para se poder fazer uma previsão segura.
“Tenho acompanhado os dados das novas variantes que vão surgido e as preocupações que existem relativamente à eficácia das vacinas, perante estas variantes. Contudo, as incertezas são ainda demasiado grandes para podermos fazer previsões sobre a perda de eficácia das vacinas”, afirma o imunologista.
Segundo 88% dos inquiridos, estas novas variantes resistentes à vacina têm maior probabilidade de vir a surgir em países com baixa cobertura de vacinação. Tal acontece, explica Luís Graça, porque a probabilidade de surgirem está dependente do número de vírus que existe em circulação. “Se reduzirmos o número de vírus, reduzimos também as probabilidades de surgirem essas variantes”, afirma, sublinhando que, logicamente, “em locais com pouca cobertura de vacinação será mais provável que surjam estas variantes”.
Há muito que os cientistas enfatizam a importância de um esforço global de vacinação a fim de neutralizar, de forma satisfatória, a Covid-19. “A menos que vacinemos o mundo, deixamos o campo de jogo aberto a cada vez mais mutações, capazes de produzir variantes que podem escapar às vacinas que temos atualmente e exigir doses de reforço para lidar com elas”, refere, em comunicado, Gregg Gonsalves, professor associado de epidemiologia da Universidade de Yale.
De qualquer forma, Luis Graça defende que, dificilmente, as vacinas atuais perderão a eficácia total, continuando a haver alguma proteção. “A extensão da perda de eficácia não é conhecida, por esta razão acho prematuro fazer previsões tão certeiras”.
Ricos e pobres
As vacinas que, atualmente, receberam autorizações de emergência em diferentes partes do mundo usam tanto tecnologias antigas como tecnologias mais inovadoras. Particularmente interessante é a abordagem de mRNA, usada pela Pfizer-BioNTech e pela Moderna, que pode ser ajustada rapidamente (em semanas ou meses) para enquadrar novas variantes. No entanto, é improvável que estas vacinas estejam ao alcance de países mais pobres, visto que são muito mais caras do que as restantes e têm requisitos de armazenamento de temperatura comparativamente mais custosos.
De facto, enquanto países como o Reino Unido e os Estados Unidos já administraram, pelo menos, uma dose de vacina a mais de um quarto da população e garantiram centenas de milhões de doses, nações como a África do Sul e a Tailândia não conseguiram ainda vacinar sequer 1% da população e outros países nem administraram a primeira dose de vacina.
A Covax – coligação de iniciativas globais de vacinas que visa combater o chamado nacionalismo vacinal – espera ser capaz de fornecer vacinas a pelo menos 27% da população dos países mais pobres, em 2021.
“Onde está a meta global ambiciosa? Uma meta que a ciência nos diz ser necessária?”, interroga-se-se, citado pelo jornal The Guardian, Max Lawson, chefe de política de desigualdade da Oxfam e presidente da People’s Vaccine Alliance, que está a apelar aos responsáveis pelo desenvolvimento das vacinas contra a Covid para que estes partilhem abertamente a sua tecnologia e propriedade intelectual, a fim de aumentar a produção.
Também Luís Graça considera que, apesar de ainda não ser possível afirmar com toda a certeza quando e se a primeira geração de vacinas contra a Covid-19 perderá a eficácia, “é importante estar vigilantes e ajudar o mundo inteiro a diminuir o número de vírus que existem em circulação”.