“É preciso que, e com algum grau de urgência, comece a haver um debate e consciencialização do que é mesmo necessário fazer. Caso contrário, estas crianças vão mesmo ficar para trás.” As palavras são de Susana Peralta, professora da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) e coautora do Relatório “Aprendizagens perdidas devido à pandemia: Uma proposta de recuperação” que acaba de ser dado a conhecer e visa contribuir para o momento seguinte da vida das crianças na pandemia: assim, ao longo de 30 páginas, ali se avança com um programa de recuperação das aprendizagens para o ensino básico.
Trata-se, como avança Susana Peralta – a mesma especialista que há mês e meio também deu a cara pelo dramático relatório sobre as condições de vida das crianças em Portugal e que, entretanto, em entrevista à VISÃO, explicou porque considera que “a crise devia ser paga por toda a burguesia do teletrabalho” – de uma proposta baseada na evidência internacional.
O documento propõe dois tipos de medidas “já testadas em outros sistemas de ensino e adaptadas ao sistema Português”: programas de tutoria e escolas de verão.
Pensado para apoiar os alunos do ensino básico nas disciplinas de Português e Matemática, o programa de tutoria proposto inclui duas sessões semanais, integradas em horário escolar, em pequenos grupos de 3 a 5 alunos. No caso de Português, estima-se que possa envolver 125 mil a 380 mil alunos; em matemática, o número de alunos abrangidos varia entre 273 mil e 528 mil. Os custos totais destes programas, estima o reltório, variam entre €168 e €639 milhões de euros, com os custos anuais por aluno e por disciplina a oscilarem entre €422 e €704 euros, dependendo do tamanho dos grupos.
“A evidência acerca da eficácia deste tipo de programas tem mostrado ganhos, medidos em tempos de aprendizagem, entre 3 e 15 meses”, nos seguintes moldes:
Duração: entre as 12 e as 20 semanas
Sessões semanais: 1 a 5
Duração de cada sessão: 30 a 60 minutos
Grupos de alunos: “A literatura científica mostra que em grupos até seis alunos a diferença relativamente à tutoria individual é baixa”
Quando: Os autores defendem que estes programas êm melhores resultados quando são integrados no horário escolar (e não após o fim das aulas);
Tutores: professores da própria escola, recém-licenciados ou mesmo voluntários (embora neste caso, sublinha o documento com efeitos positivos significativamente menores)
O grupo de cinco especialistas – de que fazem parte, além de Susana Peralta, Bruno P. Carvalho, Pedro Freitas, Ana Balcão Reis (também da Nova School of Business and Economics) e Miguel Herdade, do Ambition Institute – acreditam que o impacto destes programas de tutoria serão maiores “para os alunos nos primeiros anos de ensino e para alunos com maiores dificuldades” e com mais impacto na aprendizagem da leitura nos anos de ensino iniciais e na matemática nos anos mais avançados.
Já programa de escolas de verão, com duração de 4 semanas, misturando a recuperação de aprendizagens com atividades lúdicas, desportivas e artísticas envolvendo a participação de 251 mil a 331 mil alunos do 1º e 2º ciclos do ensino básico.
Os custos do investimento foram também contabilizados: no caso das tutorias, variam entre €168 e €639 milhões de euros, para cada disciplina, depois de um custo anual por aluno estimado de €422 ou €704 euros, respetivamente, dependendo do tamanho dos grupos. Já no caso das escolas de verão, o valores envolvidos variam entre €42 a €55 milhões de euros e um custo por aluno de €166.
Um investimento que, sublinha Susana Peralta, “tem um retorno muito elevado”, considerando que, no caso dos programas de tutoria, representa entre 9% a 30% da perda salarial ao longo das próximas quatro décadas, segundo estimativas da OCDE.
“Perdas significativas”
O trabalho conjunto descreve ainda como “a pandemia de Covid-19 causou uma grande disrupção nos sistemas de ensino de todo o mundo” e qual a evidência científica disponível a mostrar que essas perdas foram “muito significativas”.
Já antes do confinamento, lê-se ainda no documento, “Portugal já tinha a maior percentagem da UE de cidadãos sem ensino secundário ou superior e existiam importantes desigualdades em termos de privação material”. Pior, avança-se ainda, desde então, “ainda não foi tornado público nenhum plano de recuperação de aprendizagens”.
“Quando apresentámos o relatório anterior, cumprimos um papel que é útil não só para quem decide, mas também para que os próprios cidadãos tenham noção da dimensão do problema”, recorda a especialista, a lembrar que o grupo foi ouvido na comissão parlamentar de Educação e teve “uma boa receção” de todos os quadrantes políticos.
“Em Espanha, o orçamento de estado para este ano já incluía 170 milhões de euros para aplicar uma recomendação de uma proposta como esta. Se funciona noutros países, não há razão para não funcionar cá”, considera a especialista, antes de insistir: “é urgente.”