Alguém a olhar para a câmara enquanto mostra os produtos à venda, um telemóvel a gravar na vertical e fica tudo pronto: está na hora de começar um direto no Facebook. É esta a opção de cada vez mais comerciantes por todo o País, para fazer face às regras impostas pela pandemia de Covid-19. Podemos encontrar roupa, calçado, acessórios de moda, bijuteria, têxteis ou até Bimbys. Estes robots de cozinha, cujos representantes da marca estavam habituados a vender porta a porta, à procura do cliente, fazem-no agora a partir de sua casa, o que inverte praticamente todo o processo. Agora, é o público quem chega até eles. E aos milhares de cada vez. “É definitivamente um fenómeno”, confirma à VISÃO Paulo Rossas, Chief Innovation Officer da Lisbon Digital School.
Este professor e especialista em redes sociais apercebeu-se do que estava a acontecer durante o último mês e já admite que “isto é uma escola para os Marketeers”. De facto, não parece ser para menos. Basta entrar na opção Watch, no Facebook, pesquisar pela palavra “roupa”, por exemplo, escolher a opção “Direto” e facilmente irá encontrar alguém a transmitir – e a vender – em tempo real. Além disso, os números já atingidos por alguns destes vendedores são impressionantes. Para se ter uma noção, até à data em que escrevemos este artigo, o vídeo mais popular da loja “Feira da Cristina”, com mais de 26500 seguidores no Facebook, tem 3200 comentários, 902 reações, 1000 partilhas e 53 mil visualizações.
“As pessoas vestem-se em mim”
Cristina era feirante, tal como o marido, e, com o confinamento de março e abril do ano passado, decidiu começar a vender através dos diretos no Facebook. “Gostava da vida livre. De andar na rua ao sol e à chuva, mas tivemos de nos adaptar. Cá em casa vivemos todos do mesmo”. Já não voltou às feiras. “O meu marido ainda tentou, mas percebemos que não valia a pena. As pessoas iam com reservas, era diferente”, confessa, em conversa com a VISÃO. O que a levou a começar com os vídeos foi a necessidade de escoar stock e agora, questionada sobre se ganha mais dinheiro do que nas feiras, responde com duas perguntas, não escondendo o tom de satisfação na sua voz: “O que é que acha? Já olhou para os comentários?” Marta Serôdio é mais clara. Comparando a faturação mensal numa das suas lojas, aberta ao público, num mês em época normal, com a faturação conseguida com as vendas online no passado mês de janeiro, há um aumento de mais de 50 por cento.
A proprietária das lojas de vestuário “Casa Pipoca”, em Viseu e Castro d’Aire, também começou a fazer vídeos em direto no primeiro confinamento mas, ao contrário de Cristina, teve ajuda na execução: “Tenho a sorte de ter duas meninas comigo, uma delas estudou jornalismo e estão completamente à vontade com isto”. Paulo Rossas confirma a importância de ter a imagem de alguém neste tipo de vídeos, a comunicar diretamente para o auditório, agora representado em comentários e partilhas. “Ser um host vem muito do Tik-Tok. É o mais importante. Por isso é que as marcas têm dificuldade em comunicar no Tik-Tok”. A anfitriã nos vídeos da “Feira da Cristina” é a própria Cristina e esta percebe o potencial, admitindo até que ajuda o facto de ser “mais cheiinha”. “As pessoas vestem-se em mim”, diz.
No entanto, para chegar àqueles números, as estratégias não se esgotam aqui. Além do telemóvel a gravar, do anfitrião, e das peças para vender, é preciso chegar ao público ou fazê-lo chegar a cada loja, com tantas a fazer diretos e a tentar conquistar este mercado. Para começar, o horário de transmissão. Entre os comerciantes que a VISÃO contactou há um padrão que passa por transmitir fora do horário laboral. Ou seja, depois das 18h, à noite e até ao fim de semana. Mas existe também quem escolha o dia, e até a hora, de forma aleatória. Até porque, segundo Marta Serôdio, nesta altura já é preciso surpreender nos horários, para não coincidir com outros diretos.
Este crescimento de pessoas a vender online é ainda mais notório para quem sempre vendeu apenas através deste meio, como a loja “Top Fashion”, de Tânia e Luís Pinheiro, do Algarve. Começaram pela roupa, há dois anos, e agora já vendem todo o tipo de acessórios de moda, cremes, bijuteria e outros artigos. No entanto, para eles, o aumento de vendedores, que migraram sobretudo das lojas fechadas no confinamento, não é propriamente bom. “O número de gente a fazer diretos triplicou ou quadruplicou e o número de vendas diminui”, diz à VISÃO Luís, enquanto Tânia prepara os produtos para o próximo direto e as encomendas para envio. E acrescenta: “Isto dá muito trabalho. Ir ao fornecedor, preparar tudo para os vídeos, encomendas, fazer contas e apontar os nomes. Não é só pôr a gravar”. Apesar disso, Luís tem o seu trabalho e ajuda Tânia sempre que pode, mas é ela quem faz praticamente sozinha. “Ela tem dois telemóveis, um para gravar e outro para ler os comentários. Depois, se for preciso, faz uma pausa para apontar as encomendas.”, revela. Mas, ainda assim, deixa um conselho: “Quem quiser começar a vender que o faça online. Há muito menos despesas”.
Com quase um ano a vender online, em direto, a “Top Fashion” já usa algumas técnicas para estimular o público a comprar, mas há quem esteja a chegar ao mundo digital agora, como é o caso de Cândida Roque. A proprietária da loja “Mareva”, em Bragança, está a fazer os “lives” com regularidade apenas há três semanas e os números da sua página revelam que ainda há muita margem para progredir, em comparação com quem começou há mais tempo. Apesar disso, já conseguiu igualar o número de vendas online com o que tinha com a loja aberta. “Foi muito difícil começar, mas desde que entramos em confinamento tivemos mesmo de arregaçar as mangas”, confessa. E até já sabe um dos truques para atrair mais clientes: “oferecer um prémio pelas partilhas.”
As partilhas são a forma mais utilizada por estes vendedores online para chegar a mais gente e, para incentivar, oferecem um prémio a quem partilhar mais aquele direto. É a lógica do “Mestre das Partilhas”, e o vencedor sairá de um sorteio no final da transmissão. Depois de reunir o público é preciso mantê-lo. Para isso nasceu a “Happy Hour” que já foi incluída nos vídeos, por exemplo, da Casa Pipoca. Marta Serôdio explica o modelo: “(as funcionárias) explicam o que é a “Happy Hour” e dizem às pessoas que quem escrever primeiro a palavra “miminho”, nos comentários, quando estas duas palavras se ouvirem, recebe um “miminho” no final.” Esse miminho será um vale de compras, um desconto ou até uma peça.
“A maioria destas pessoas tem mais de 35/40 anos e teve de virar o boneco”
A “ACunha Têxteis Lar”, continua com as suas lojas abertas em Grijó, Lousada, Paços de Ferreira e Penafiel, porque também vendem produtos essenciais. Mas os têxteis, principal fonte de rendimento, teriam de ficar presos na prateleira se não fosse a adoção deste método de venda, há duas semanas. “Fizemos isto sobretudo para que o cliente não se esqueça de nós e para que perceba que não é nossa culpa chegarem às nossas lojas e verem proibida a venda de têxteis”, confessa Ana Cunha. Os camiões de venda de edredons, almofadas ou tapetes, habituais ocupantes de um lugar nas feiras e festas populares, estão agora em qualquer lugar, digitalmente. De resto, só falta mesmo o público em frente aos protagonistas porque o espetáculo é exatamente o mesmo, neste caso. “O direto normal está muito batido. Quisemos fazer uma espécie de programa, com entretenimento”, revela a sócia-gerente desta empresa familiar com grande tradição de feirantes. Por isso a produção do vídeo é mais profissional do que a maioria dos exemplos: duas câmaras, realização em direto, microfones portáteis, dois apresentadores e um co-apresentador atrás da câmara. E ainda a própria Ana, mais duas colaboradoras, a responder a comentários, apontar encomendas, a atender telefonemas e a atualizar em tempo real os produtos disponíveis, na página de Facebook.
Outros comerciantes defendem a importância da animação dos diretos e é frequente encontrarmos quem dance enquanto toca uma música no fundo. Mas Paulo Rossas diz-nos que até já viu quem tivesse um DJ ou um teclista a acompanhar. Por tudo isto, o especialista em redes sociais não hesita dizer que há muito a aprender com estas pessoas “porque são quem faz, portanto, ensinam”. E acrescenta: “quem nasceu antes de 1995 não nasceu com o ‘live’. A maioria tem mais de 35/40 anos e teve de virar o boneco”. E agora, fazem ver, em termos de números. Paulo faz a comparação com uma marca para quem está a elaborar uma estratégia de comunicação: “é uma marca com 200 mil seguidores e o post com mais comentários da sua página tem (apenas) 453. E foi um passatempo!”. E lembra ainda: “o Facebook é um bom canal de media para uma marca, mas que paga para ter alcance. Estas pessoas não pagam nada mas perceberam como alcançar as pessoas através dos diretos”.
Cristina, da “Feira da Cristina”, diz à VISÃO que detesta o Facebook e que nem o utilizava antes disto, mas está contente com o resultado. Sobretudo porque se não fosse assim “uma pessoa de Lisboa, por exemplo, nunca iria visitar-me na feira”. Agora, graças aos diretos, envia através dos CTT para Portugal inteiro e até para outros países. Uma tendência que a VISÃO verificou acontecer com quase todos os vendedores com quem falou. Ana Cunha, da “ACunha Têxteis Lar”, também satisfeita com os resultados obtidos, acrescenta que “toda a gente devia arranjar forma de continuar a fazer lucros”. E, provam estes exemplos, estar em direto, é uma nova forma de os conseguir.