Luís Montenegro chegou ao primeiro debate das legislativas sem o fato completo que costuma usar como primeiro-ministro. Acabou por ser surpreendido por um Paulo Raimundo mais combativo, que não fugiu às questões dos casos de Spinumviva, um tema que ocupou quase nove minutos do frente a frente. “O grande contributo que podia ter dado à democracia era demitir-se”, disse o secretário-geral do PCP, que considera que houve “uma situação de incompatibilidade” e que essa “situação vai manter-se”.
“É uma ponta de um problema mais amplo”, frisou Raimundo, perante um Luís Montenegro que tentou vários vezes interrompê-lo e que vincou que “nunca nenhuma contaminação” entre a sua vida profissional e a sua vida política.
“Eu não escondi nada”, diz Montenegro
“Eu não escondi nada”, frisou o primeiro-ministro, garantindo que não usufruiu “de qualquer benefício” da Spinumviva. “Não posso ser responsabilizado por aquilo que não fiz”.
“Não houve nunca nenhuma contaminação”, foi repetindo, perante um Paulo Raimundo que não hesitou em continuar no caso Spinumviva. “Luís Montenegro considera que é tudo normal (… ) o que se passou é profundamente incompatível com as funções de governação”.
“Nós não temos dúvidas, temos certezas” disparou Raimundo antes de lançar uma das tiradas que marcaram o debate. “Vitimização comigo não”.
Acusando o Governo de manter “uma profunda confusão entre interesses públicos e privados” e uma “profunda promiscuidade entre interesses económicos e políticos” e de ser um “Governo de propaganda, muita” e de “corresponder aos interesses dos grupos económicos”.
Paulo Raimundo levou mesmo um dossiê com o balanço do Governo, com uma fotografia do Conselho de Ministros na capa, para ilustrar essa ideia.
Quase nove minutos depois, a jornalista da TVI tentou levar o debate para a Saúde, mas Paulo Raimundo aproveitou um aparte para o confrontar com a surpresa desagradável que muitos contribuintes terão no momento de liquidar o IRS. “Vai falar na manobra do IRS?”, perguntou, a um Luís Montenegro que voltou a vincar a baixa de impostos, não só no IRS, mas no IRC e que defendeu a gestão privada na Saúde, afirmando que ainda assim para a AD o mais importante é o SNS.
“Não vale a pena estar a levantar fantasmas”, insistiu Montenegro.
“A descida do IRC em quatro anos pagava uma rede publica de creches de 100 mil vagas”, ripostou Paulo Raimundo, defendendo que essa descida para as empresas “não teve consequência nenhuma nos salários”.
“É uma questão de opções. Esta obsessão ideológica de transferir a saúde direitinha pata os que fazem da saúde um negócio é uma obsessão”, atacou, sem que Montenegro apresentasse dados para comprovar a ideia de que os privados são mais eficazes na gestão da saúde.
Montenegro admitiu promessa por cumprir na saúde
Usando mais que uma vez a sua experiência como pai, Paulo Raimundo lembrou que “tivemos este fim de semana sete urgências fechadas e não são umas urgências quaisquer, são as urgências pediátricas. É possível isto continuar assim?”, questionou, antes de dar a fórmula do PCP para resolver essa situação.
“O grande problema é a falta de profissionais”, disse Paulo Raimundo, para quem a resposta está em “dignificar as carreiras, aumentar os salários”.
Luís Montenegro não levou dados sobre saúde para o debate e acabaria por reconhecer que não cumpriu a promessa de dar médicos de família a todos os portugueses. Na verdade, são agora mais os que não têm médico de família.
“Está por cumprir, é verdade”, admitiria, sem explicar como pretende cumprir desta vez a promessa e sem falar, por exemplo, na ideia do Governo de também aí recorrer aos privados.
“É para amanhã, é sempre para amanhã”, diz Raimundo sobre subida de salários
A conversa acabaria por derrapar outra vez para o IRC, com Luís Montenegro a lembrar que a receita prevista do Orçamento do PS para 2024 foi excedida e com Raimundo a aproveitar para lembrar que “o PSD geriu com todo o conforto” o Orçamento socialista.
“Qual foi a consequência na vida de quem trabalha, dos que trabalham por turnos?”, questionou Paulo Raimundo, insistindo por várias vezes na pergunta sem obter uma resposta direta nas primeiras tentativas, com Montenegro a falar no acordo de rendimentos só depois de alguma insistência.
Montenegro defendeu que a descida de IRC serve para “libertar tesouraria [das empresas] para poderem pagar melhores salários” e que “os trabalhadores são beneficiários da produtividade das empresas”.
“Os trabalhadores são beneficiários dos salários ganham”, ripostou o comunista, que foi repetindo um “é para amanhã, é sempre para amanhã” sobre a promessa de ver refletida nos rendimentos a descida de IRC.
As diferenças também ficaram claras quando o tema foi a Defesa, com Paulo Raimundo a defender que o país deve fabricar medicamentos, alimentos e comboios e não armas. E Luís Montenegro a defender a importância de preparar o país e a Europa para defender os seus valores. “A sua contradição esbarra no problema da Palestina”, reagiu Montenegro, que acha que “a fatura vem sempre para os mesmos”.
“Não trocamos armas pela saúde, pelas pensões, pela Segurança Social. Cá estaremos para essa batalha”, afirmou o líder do PCP, com Luís Montenegro a desmentir que essa escolha vá estar em cima da mesa.