Em fevereiro de 1994, Jorge Sampaio, ainda presidente da Câmara de Lisboa, preparava, em sua casa, a resposta a dar ao Expresso, se, na entrevista prevista para o dia seguinte, fosse interpelado sobre as presidenciais de 1996. O País ainda não sabia que ele queria ser candidato – as presidenciais estavam marcadas para dali a dois anos! –, mas o mundo jornalístico já desconfiava. A frase saiu da cabeça do conselheiro e amigo de sempre, Nuno Brederode Santos: “Há um fator de natureza subjetiva que, sem ser decisivo, não deixaria de ser estimulante para a minha decisão: saber que me ia confrontar com o prof. Cavaco Silva.” Traduzindo por miúdos, “Sim, serei candidato à Presidência da República e desafio o Cavaco a concorrer contra mim.” Decorreu mais um ano e, a 7 de fevereiro de 1995, Sampaio anunciava a candidatura.
Com as próximas presidenciais aprazadas para janeiro de 2026, daqui a pouco mais de um ano, não é cedo para que os eventuais candidatos – ou candidatos a candidatos – comecem a posicionar-se. Nestas movimentações, cada um estuda o passo seguinte – ou o passo em falso – de qualquer potencial concorrente. Esta semana, soube-se que o Almirante Henrique de Gouveia e Melo, chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), comunicou ao Governo que não deseja ser reconduzido no cargo (está quase em final de mandato). Parte da imprensa anunciou, sem que se conheçam desmentidos, que o grande timoneiro da vacinação contra a Covd-19, em Portugal – e que assim ganhou notoriedade e prestígio – se prepara para anunciar a sua candidatura a Belém, em março, um ano antes da tomada de posse do novo Presidente da República. Os movimentos do almirante estão a ser seguidos ansiosamente por uma desconfiada classe política: os dois principais partidos já definiram o perfil dos candidatos que, respetivamente, cada um poderá apoiar: terá de ser um militante do PS, disse Pedro Nuno Santos. Do PSD, disse Luís Montenegro. E, se lermos nas entrelinhas do discurso do deputado socialista Pedro Delgado Alves, na cerimónia parlamentar que comemorou o 25 de Novembro, encontramos uma frase adaptada à atualidade, quando elogia a evolução civilista do nosso regime, em que a Presidência “deixou de ser exercida por um militar”.
Do encontro informal, ocorrido num bar de Lisboa, entre o ministro da Defesa e líder do CDS, Nuno Melo, e o almirante, pouco transpirou. Mas o dirigente centrista Diogo Feio, numa declaração no seu espaço de comentário televisivo, declarou que um eventual apoio do CDS a Gouveia e Melo teria o seu completo desacordo: “Não quero acreditar que tal seja possível!”, enfatizou. Dos principais partidos, apenas o Chega se pronunciou sobre a hipótese, não descartando a possibilidade de apoiar o almirante, o que parece um pouco contranatura, depois de André Ventura, durante a pandemia, ter namorado uma fatia negacionista do eleitorado – o próprio líder do Chega foi ambíguo quanto à necessidade de vacinação. Seja como for, nunca nenhum Presidente da República foi eleito sem o apoio de, pelo menos, um dos dois maiores partidos, PS ou PSD (ou ambos).
O primeiro a recuperar o nome de António José Seguro foi o líder do PS, Pedro Nuno Santos. Ele nunca engoliu o apoio envergonhado a Marcelo e considera que está na hora de o PS voltar a ter um candidato socialista, apoiado pelo partido, o que não acontece desde 2011, com Manuel Alegre e, se pensarmos num candidato vencedor, desde 2001, com Jorge Sampaio. Pedro Nuno e Seguro, embora bastante distantes, em termos ideológicos (Seguro muito mais à direita), têm a uni-los a aversão a António Costa, que preferiria Mário Centeno, um dos nomes da área socialista que há mais tempo anda nas bocas do mundo, sem que o governador do Banco de Portugal alguma vez tenha dado qualquer pista nesse sentido. (Na mesma área, Augusto Santos Silva, que acaba de lançar um livro sobre “o Poder”, ainda não terá desistido.) Seguro, ao contrário, não descartou a hipótese, em entrevista à CNN Portugal, canal onde terá, agora, mais de dez anos depois de ter abandonado completamente a política ativa (e não ativa…), um espaço de comentário político. Outro nome na área socialista, que recentemente confrontado com a hipótese não a afastou, foi António Vitorino, uma figura também capaz de pescar votos ao centro, tendo sido, ainda por cima, escolhido pelo Governo de Luís Montenegro para presidir ao Conselho Nacional para as Migrações e Asilo. Ainda na área socialista, é obrigatório referir António Guterres, mas ninguém acredita seriamente que o secretário-geral da ONU queira regressar… ao pântano.
À direita, Luís Marques Mendes, que mantém o seu espaço dominical de comentário em canal aberto, na SIC, e que até comentou, este domingo (embora com pinças) as eventuais candidaturas dos seus prováveis adversários, mantém tudo em aberto, fazendo depender a decisão de uma reflexão pessoal: “Concluir se posso ou não ser útil ao País.” No mesmo comentário, Marques Mendes falou das próximas autárquicas e dos candidatos que podem surgir à Câmara do Porto, dando destaque a José Pedro Aguiar-Branco (atual presidente da Assembleia da República), que “até gostaria”. Talvez gostasse, mas no PSD há quem olhe para a sua postura enquanto presidente da AR como estando em pré-campanha para ser candidato a Belém. Invocando a liberdade de expressão, Aguiar-Branco tem sido tão cordial quanto possível com a ruidosa bancada do Chega. Por outro lado, o presidente da AR tem produzido discursos muito moderados e até próximos de uma narrativa de centro-esquerda, tendo mesmo ido à Avenida da Liberdade, de cravo vermelho, no 25 de Abril. (Coisa que Cotrim de Figueiredo também fez, sendo que o seu nome pode ser avançado para uma candidatura autónoma, apresentada pela IL…) Mas a direita tem outros nomes possíveis, como o de Paulo Portas, que, a avançar, pode baralhar um pouco as contas: no quadro da AD, PSD e CDS têm um compromisso eleitoral extensivo no tempo, mas este acordo não abrange as presidenciais. A não ser que surja o sempre desejado D. Sebastião, aliás, Pedro Passos Coelho, que, esse sim, faria o pleno da direita. Esperemos, como o título desta secção indica, pelos “próximos capítulos”.
Datas a fixar
Os pontos quentes do calendário
Dissolução impossível
Nos termos do artigo 172.º da Constituição, a partir de 9 de setembro de 2025 (seis meses antes do termo do mandato) o PR deixa de poder dissolver a Assembleia da República. Um seguro de vida para o Governo.
Autárquicas
As eleições para as autarquias locais terão de realizar-se entre setembro e outubro de 2025.
Outro Orçamento
Em novembro do próximo ano será discutido e votado o OE para 2026. Caso chumbe, e não podendo a AR ser dissolvida, o Governo mantém-se. Pode apresentar novo documento ou passar a governar por duodécimos.
Presidente eleito
As presidenciais realizam-se nos 60 dias antes do termo do mandato do atual PR (ou nos 60 dias posteriores, em caso de vagatura do cargo). Este calendário remete as presidenciais para janeiro de 2026.
Tomada de posse
O calendário constitucional fixa a data de tomada de posse no último dia do mandato do atual Presidente, ou seja, a 9 de março de 2026.
Prazo mínimo do Governo
Nos termos do artigo 172.º da Constituição, só a partir de 9 de setembro (seis meses após a posse) o PR poderá dissolver a Assembleia da República.