A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, chamou a si a tutela do INEM e anunciou a abertura de novos concursos de contratação, para reforçar os quadros do Instituto, ao mesmo tempo que o PSD apresentava uma proposta para reverter uma medida aprovada no tempo de Pedro Passos Coelho, que obrigava a que os saldos operacionais da instituição fossem para o SNS em vez de serem reinvestidos. Mas ainda não é certo se vai haver um reforço financeiro, numa altura em que a única fonte de receita do INEM é uma taxa de 2,5% cobrada às seguradores sobre os prémios de alguns seguros. E falta perceber o que quer o Governo quando fala em refundar o instituto, porque sobre isso Sérgio Janeiro não disse uma palavra durante a audição desta quinta-feira no Parlamento, apesar de ter feito algumas revelações.
Sindicato diz que privatizar seria “demasiado perigoso”
A forma como o Governo se tem escusado a responder em que consistirá essa refundação está a gerar a ideia de que pode estar em causa uma privatização do serviço. E isso é considerado “demasiado perigoso” por Rui Lázaro, presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar, que foi ouvido esta quinta-feira no Parlamento, onde explicou que neste momento o instituto tem 18 medos nos quadros quando “devia ter 60”.
De resto e em relação à greve de dia 4 de novembro durante a qual morreram 11 pessoas (estando em curso investigações para apurar se alguma das mortes se deve a falhas na assistência pelo INEM), Rui Lázaro vincou que o sindicato deu à tutela toda a informação para que pudesse gerir a paralisação, que aconteceu em simultâneo com uma greve da Função Pública. “Apresentamos o pré-aviso de greve com o dobro da antecedência exigida por lei. A lei exige 10 dias e nós fizemos o pré-aviso 20 dias antes do arranque da greve”, disse.
Presidente do INEM afasta demissão
Também no Parlamento, o presidente do INEM, o tenente-coronel Sérgio Janeiro, revelou que os atrasos no atendimento das chamadas de emergência aconteceram num momento em que estavam a ser cumpridos os serviços mínimos, entre as 8h e as 16h, quando estavam nas centrais do instituto mais de 80% dos técnicos escalados habitualmente.
Apesar de todos os problemas e das investigações que estão em curso, tanto pelo Ministério Público como pela IGAS às mortes ocorridas durante a greve de 4 de novembro, Sérgio Janeiro considera não estar em causa a sua continuidade à frente do INEM.
“Sinto que tenho condições para continuar”, disse perante os deputados, numa audição marcada pela insistência de PS, PCP, BE e Livre em perceber o que significa na prática o plano de “refundação” do INEM anunciado pela ministra, que se tem recusado a responder se está em cima da mesa a possibilidade de uma privatização, como acreditam estar Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua.
“Não vou desistir na missão que assumi e que abracei. Continuarei até ao último dia a trabalhar com muito afinco e muito determinado em resolver os problemas de fundo do INEM”, disse o responsável do instituto, que foi nomeado em regime de substituição.
Só não disse uma palavra sobre em que consistem os planos de refundação do INEM ou se está em cima da mesa a sua privatização.
No final da audição, os partidos aprovaram por unanimidade a vinda de Ana Paula Martins para se explicar sobre a “refundação” do INEM, um requerimento apresentado pelo BE.
Mais investimentos, mas ainda não os suficientes
Uma das novidades é que a formação dos técnicos vai passar a ser feita não só pelo INEM, que só tem capacidade para 200 formandos de cada vez, mas pelas faculdades de Medicina. “A formação será ainda em 2025 complementada com as escolas médicas. Já falámos com o Conselho das Escolas Médicas e esta formação irá ser externalizada e deixará de ser dada exclusivamente pelo INEM”, anunciou Sérgio Janeiro.
Neste momento, estão em formação os 200 técnicos recrutados através de um concurso feito em agosto, cujas formas acontecerão no final deste ano. E a ministra anunciou já que será lançado um novo concurso para mais 200 técnicos e que o Ministério decidiu disponibilizar 98 milhões de euros para o próximo concurso de helitransporte de emergência médica, além de se terem iniciado já as negociações – ainda sem fumo branco à vista – para a revalorização salarial dos técnicos de emergência pré-hospitalar.
Segundo avançou Sérgio Janeiro no Parlamento, estão previstas e orçamentadas mais 400 vagas para técnicos de emergência pré-hospitalar e mais 300 vagas para outros profissionais para o próximo ano.
Mesmo com o reforço, continuarão a ser necessárias muitas horas extraordinárias. “Continuam a ser pouco, mantendo-se este paradigma atual em que o INEM presta o socorro na sua maioria, principalmente nos centros urbanos”, afirmou o presidente do instituto.
A polémica em torno do financiamento
A grande incógnita é a de saber como será feito o reforço do financiamento do INEM, que é exclusivamente financiado por uma taxa cobrada sobre os prémios de alguns seguros.
No plano de atividades para 2024, o INEM apelava a um aumento dessa taxa para os 3%, defendendo que“cada vez é mais evidente a necessidade de concretizar um aumento de 0,5% da percentagem que incide sobre os prémios dos seguros, o que se traduzirá num valor de receita adicional aproximada de 20 milhões de euros, essencial para garantir a continuidade da expansão do SIEM (Sistema Integrado de Emergência Médica), sem comprometer a sua sustentabilidade”.
No entanto, nunca foi apresentada qualquer proposta nesse sentido. E as associações representativas das seguradoras já vieram, em declarações ao Observador, criticar a ideia de um aumento.
O que o PSD propõe, na fase de especialidade do Orçamento, é que o saldo de gerência do instituto possa ser usado para reinvestir no INEM em vez de ser aplicado no SNS, algo que acontece desde o Governo de Pedro Passos Coelho e que as seguradoras também contestam porque uma taxa, ao contrário de um imposto, tem a receita consignada. Ou seja, pela lei o financiamento obtido através de taxas tem de ser integralmente usado no fim a que se destina a taxa.
De resto, essa proposta de alteração serviu, na audição parlamentar, para o deputado do PS, João Paulo Correia, atacar a AD. “O PSD e o CDS apresentam essa norma para desfazer uma norma apresentada [pelo Governo de Passos Coelho] para o Orçamento do Estado para 2015, que veio instituir que os saldos do INEM fossem centralizados”, afirmou o socialista, concluindo que “o que estão a fazer agora é um pedido de desculpa”.