Pouco depois de se saber que coube a Maria Luís Albuquerque a pasta dos Serviços Financeiros, Poupanças e Investimento, Luís Montenegro congratulava-se com a escolha da presidente da Comissão Europeia. “Trata-se de uma matéria central para a Europa e para Portugal, tendo em vista a diversificação das fontes de financiamento com o objetivo de promover o crescimento e o investimento económicos”, afirmou o primeiro-ministro, num comunicado enviado às redações. Mas o que é que vale esta pasta na Comissão Europeia? E que obstáculos terá ainda a ex-ministra de enfrentar para conseguir o lugar no colégio de comissários?
As tarefas de Maria Luís
Um dos principais objetivos que Maria Luís Albuquerque terá pela frente é a conclusão da reforma da União Bancária e a regulação dos mercados de capitais em termos europeus.
Na carta de missão que Von der Leyen enviou a Maria Luís pode ler-se que a presidente da Comissão Europeia espera desta sua comissária uma ajuda para “alavancar a enorme riqueza das poupanças privadas para suportarem os nossos objetivos mais latos”. Como? Ursula Von der Leyen pede a Maria Luís que se concentre em “ajudar as pessoas a poupar melhor, angariar capital para a inovação e desbloquear o setor financeiro digital”.
Diminuir a fragmentação dos mercados de capitais no espaço europeu, estimular os fundos privados de pensões e conseguir ganhos de escala no setor bancário e financeiro também fazem parte das tarefas de Maria Luís Albuquerque.
Uma pasta mais técnica que política
Maria Luís Albuquerque não terá uma vice-presidência na Comissão Europeia e, também por isso, esta pasta terá necessariamente um pendor mais técnico do que político.
Apesar disso, os eurodeputados da AD destacam o facto de esta ser uma pasta que está diretamente relacionada com a aplicação das conclusões do Relatório Draghi, que define uma estratégia de investimento e desenvolvimento para o espaço europeu, tentando colocá-lo em condições de competir com os Estados Unidos e a China, nomeadamente em matéria de inovação.
“Toda a estratégia do Conselho Europeu e os relatórios mais recentes - Letta e Draghi - apontam esta área como chave para o futuro da União, tanto na dinamização do mercado interno como no reforço do investimento e da competitividade”, lê-se na nota do chefe da delegação do PSD no Parlamento Europeu, Paulo Cunha.
“Trata-se de uma excelente notícia para os europeus e para os portugueses. A pasta terá uma centralidade nos próximos cinco anos, pelos vários desafios que todos sabemos que têm de ser respondidos: o reforço do investimento e da competitividade na União Europeia, assim como a conclusão da União Bancária e da União de Mercado de Capitais”, sublinha Paulo Cunha.
A pasta interessa a Portugal?
O antigo eurodeputado do PS, Carlos Zorrinho, tem, contudo, uma posição bem diferente. “É a pasta que tem diretamente menos interesse para Portugal”, diz à VISÃO Carlos Zorrinho, que considera que pastas como a da Coesão, que era de Elisa Ferreira e que, desta feita, coube à Itália de Giorgia Meloni (que ficou com uma vice-presidência) ou como a da Transição Climática que ficou para Espanha têm mais peso para um país do sul da Europa como o nosso.
Para a também ex-eurodeputada do PS, Ana Gomes, Maria Luís só não ficará condenada à irrelevância se conseguir concluir “uma tarefa que se tem andado a arrastar”, a união de mercados de capitais, e se conseguir completar a União Bancária, através da implementação da Garantia Comum de Depósito, “que assegura aos cidadãos que, se houver uma crise financeira, têm um limiar de depósitos garantido pela União Europeia”, hoje o máximo garantido é de 100 mil euros e é assegurado pelo Estado português.
Para João Oliveira, eurodeputado eleito pela CDU, o sucesso de Maria Luís Albuquerque nesta missão pode, porém, não ser sinónimo de boas notícias para Portugal. “Esta é uma pasta que, na prática, vem na sequência do Relatório Draghi, no sentido do aprofundamento do mercado de capitais, da união das poupanças e do investimento. São orientações no sentido do favorecimento dos grandes interesses financeiros com o pretexto do ganho de escala, relativamente aos EUA e à China”, diz à VISÃO João Oliveira, para quem esta é “uma orientação política errada e preocupante”.
“Portugal terá sempre um lugar periférico nesse mercado de capitais. Torna-se preocupante para a capacidade do país reter capitais para o investimento que é necessário”, afirma o comunista, temendo que a concentração no setor financeiro afaste ainda mais o país dos centros de decisão, dificultando a defesa dos interesses nacionais.
Outro ponto que preocupa João Oliveira tem que ver com o estímulo que esta pasta deverá dar aos fundos de pensões. “É deixar as pensões entregues à roleta da especulação”, critica.
Escolha de Maria Luís nas mãos do Parlamento Europeu
Para já, Maria Luís Albuquerque foi indigitada por Ursula Von Der Leyen, depois de Luís Montenegro ter indicado o seu nome à presidente da Comissão Europeia. Mas para ficar com lugar no colégio de comissários europeus, Maria Luís terá de passar ainda pelo crivo dos eurodeputados, em audição no Parlamento Europeu.
Dado o “papel mais interventivo que o Parlamento Europeu tem tido”, João Oliveira acredita que a audição de Maria Luís Albuquerque “pode fazer esta escolha bater na trave”.
“As audições não vão ser fáceis”, antecipa Carlos Zorrinho, notando que o currículo de Maria Luís Albuquerque, que estava a trabalhar na Morgan Stanley e que passou pela Arrow Global (duas instituições do setor financeiro que irá tutelar) podem suscitar questões sobre conflitos de interesse.
“É a escolha certa para esses interesses, pelas opções políticas que fez enquanto secretária de Estado do Tesouro e ministra das Finanças”, ironiza João Oliveira, que tem dificuldades em perceber como se poderá Maria Luís Albuquerque defender perante as dúvidas que o seu CV levantará na audição.
“Como é que vai justificar o distanciamento dos interesses financeiros dando a pelo menos a ideia de que vai proteger o interesse público?”, questiona o comunista.
“Espero que na audição no Parlamento Europeu os conflitos de interesse sejam escalpelizados”, declara Ana Gomes.
Olhando para os eurodeputados portugueses, percebe-se que estão divididos. Enquanto a AD e a Iniciativa Liberal saudaram a preparação de Maria Luís Albuquerque para a pasta, o Chega defendeu, pela voz de Tanger Correia, que a antiga ministra das Finanças está “fragilizada”. E PCP e BE deixaram claro que se opõem a esta escolha, com Catarina Martins, do BE, a defender que tudo deve ser feito para que Maria Luís não fique nesta Comissão Europeia.