Hugo Soares mal teve tempo para aquecer a cadeira que Luís Montenegro tinha deixado vaga em julho, quando o agora crítico assumido de Rui Rio atingiu o limite de mandatos como líder parlamentar do PSD. Com a mudança de presidente no partido, Fernando Negrão estreia-se esta tarde nos debates quinzenais contra António Costa e as expectativas estão altas. Pelo menos, para alguns. Rui Rio, por exemplo, precisa que o homem que escolheu para ser a sua voz na Assembleia da República dê uma resposta categórica aos céticos (quer dentro, quer fora do hemiciclo), até porque os 32 votos brancos e os 21 nulos obtidos (entre 88 votantes) na votação da quinta-feira passada revelam a desconfiança que impera na bancada.
Mas a verdade é que a história de confrontos entre Costa e Negrão já é longa – e não favorece o novo número um do grupo parlamentar do PSD. Tudo começou em 2007, quando Luís Marques Mendes, então presidente do PSD, definiu uma short list de candidatos às eleições intercalares para a Câmara de Lisboa e Fernando Seara era o preferido. No entanto, recusou, e o ex-ministro da Segurança Social de Pedro Santana Lopes lá avançou (na qualidade de plano B, posto em prática em menos de 48 horas, como Mendes já reconheceu) contra a escolha de José Sócrates para a capital: o seu número dois no Executivo, o ministro da Administração Interna, António Costa.
A baralhar as contas, também António Carmona Rodrigues, à data arguido no caso Bragaparques, avançou à revelia do PSD e “arrebanhou” 16,7% dos votos ao universo social-democrata. Costa alcançou 29,54% das preferências dos lisboetas e Negrão não foi além dos 15,74%, o pior resultado dos “laranjinhas” em Lisboa até às últimas autárquicas, quando Teresa Leal Coelho registou somente 11,23% dos votos. “Se juntássemos os meus votos com os de Carmona Rodrigues, António Costa não tinha ganho”, resumiu o deputado, há um ano, em declarações ao Observador.
Ainda assim, os dissabores para Negrão tendo Costa como protagonista não ficaram por aí. Em 2015, quando o secretário-geral do PS fazia jogo duplo – empatava Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, ganhando tempo para negociar a formação de uma nova maioria com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa -, houve a eleição, a 23 de outubro, para presidente da Assembleia da República e, como tem ditado a praxe parlamentar, o partido (ou a coligação) mais votado indica o nome a submeter a sufrágio.
Passos e Portas falharam o cálculo. Ou preferiram, uma vez mais, encontrar um mártir para tentarem contrariar a manobra de Costa. Negrão avançou contra Eduardo Ferro Rodrigues e a esquerda uniu-se para eleger o ex-líder do PS, dando um primeiro sinal de que a “geringonça” estava mesmo a ganhar forma e de que algo inédito na política portuguesa estava a acontecer. Ferro, aliás, reforçava essa tese ao afirmar, do púlpito, que “assim como não há deputados de primeira e segunda, também não há grupos parlamentares de primeira e de segunda, coligações aceitáveis e outras banidas”. Costa, ainda antes de ser primeiro-ministro, voltava a fintar Negrão.
Dois anos e meio depois, e com o PSD entre o alvoroço espontâneo e a rebelião organizada – contra o presidente do partido e não por oposição ao líder parlamentar recém-eleito -, Negrão parte fragilizado para o seu primeiro frente-a-frente com Costa. Alguns deputados, especialmente os mais revoltados com a forma com que Rio “despachou” Hugo Soares, exigem-lhe uma vitória contundente; outros temem que suavize demasiado o tom e permita um passeio ao chefe do Executivo; e um terceiro grupo, afeto ao riozismo, acredita que esta será a primeira vez que Negrão conseguirá vergar Costa numa arena política. Será? A resposta será dada a partir das 15h00.