Leon tem 71 anos. É holandês e é a primeira vez que usa os transportes públicos portugueses. Chega a Santa Apolónia e quer ir até ao Parque das Nações. Familiarizado com o serviço, tenta usar um Uber, mas a aplicação está com problemas… que fazer? Não anda de metro e não quer recorrer a taxis, enquanto está no estrangeiro. Decide-se então pelo autocarro. Mas não sabe os números das carreiras, desconhece o percurso mais curto até ao seu destino. Não fala português, perde-se no vai-e-vem de autocarros. Acaba por entrar num e dar uma volta enorme.
O cenário é fictício (mas podia ser real) e vai sendo construído à medida que os desafios são colocados ao grupo reunido numa sala da Imprensa Nacional, em Lisboa. Desenhe-se o mapa da problemática. Qual é o momento fundamental, aquele que tem de ser atacado? Os pedidos sucedem-se e as equipas vão dando respostas. São cerca de oito equipas, cada uma com três elementos que trabalham na ou com a Administração Pública. Que soluções se podem arranjar para ajudar Leon? O tempo esgota-se, as soluções são avaliada, há muita risota, e passa-se ao próximo desafios. Pelo meio, os três peritos internacionais, membros da Fundação NESTA (que presta consultoria em “desenho de serviços” nos quatro cantos do mundo) vão dando uma ou outra dica. Não se limitem à opinião das pessoas, porque “o que estas dizem ou fazem é apenas a ponta do iceberg” e nós queremos conhecer “os seus sonhos, as suas motivações e aspirações”, diz Bas Leurs. O desenho do iceberg fica registado no quadro, para que não se perca a ideia.
Passa-se a outro desafio, a outra aprendizagem. São distribuídos kits com vários fios de esparguete, dois marshmellows, um pedaço de barbante e fita adesiva. Cada equipa tem 18 minutos para construir a estrutura mais alta que conseguir. O teste foi repetido milhares de vezes e a estatística indica que conseguem melhores resultados os arquitetos e os engenheiros. Seguem-se os CEO, quando trabalham em equipa com administrativos. A seguir, ganham as crianças. Na ação de formação de dia 19, a maior estrutura media 45 centímetros. Outros grupos construíram, mas a sua obra não se aguentou. Fica a lição de que, mais importante do que pensar e planear, é pôr mãos à obra. As soluções têm de ser experimentadas. Se não funcionar à primeira, há que voltar a tentar até se alcançar o resultado pretendido. É esta a base do trabalho que os elementos presentes terão de desenvolver no futuro.
Identificação, teste, ação
Estes elementos foram escolhidos para serem bafejados pelo espírito da inovação. Pretende-se que sejam eles, pouco a pouco, a levar a cabo a revolução tranquila dentro da Administração Pública. Durante dois dias, ouviram histórias e ensinamentos trazidos pelos três peritos da Nesta, aderiram aos desafios, tentaram encontrar soluções, criar protótipos, resolver problemas indiferenciados. A ideia era po-los à prova, tirá-los da sua zona de conforto, fazer com que pensassem “fora da caixa”. Depois mergulharam no concreto, discutindo os problemas dos seus próprios serviços.
A ideia nasceu na Start Up Lisboa, há uns anos. Na altura, a preocupação era, conta Paulo Malta, “como ligar inovação, que não tem só a ver com tecnologia, e Administração Pública”. Teve entrada no programa do Governo e Maria Manuel Leitão Marques (a ministra da Presidência que levou Paulo Malta para seu assessor) encarregou-se do assunto. Primeiro no gabinete, depois fora dele, numa estrutura a que, em outubro de 2016, chamaram Lab X. Hoje, o Lab X são três pessoas (duas delas portugueses que estavam a trabalhar lá fora) e uma sala no edifício da Imprensa Nacional. O objetivo é que a revolução seja feita por dentro, sob a orientação e com a ajuda destes elementos.
O primeiro projeto a ser experimentado foi o “Balcão Emprego”. Com recurso a centros de investigação, estudaram o percurso que os desempregados eram obrigados. Escolhidos três cenários distintos (Guimarães, Lisboa e Alcácer), foi perguntado aos utentes que experiência tinham estes com os serviços públicos e, aos serviços, o que tinham a dizer sobre o atendimento que prestavam e as condições em que o faziam. Terminada a fase da investigação, conta Paulo Malta, foi tomada a decisão (política) de “acabar com as apresentações periódicas, porque não era produtivo no combate à fraude e criava entraves ao funcionamento dos balcões de atendimento.” Foi um passo. Outro projeto, em curso, é o “Espaço Óbito”, que envolve os ministérios da Justiça (através do Instituto dos Registos e notariado), da Saúde (ADSE), das Finanças (Autoridade Tributária), Segurança Social (Caixa Geral de Aposentações) e o Banco de Portugal. Depois da investigação, esteve aberto, durante 10 dias, um balcão que testou o serviço. Não há de ser possível avançar tanto quanto desejavam, por causa da proteção de dados, explica Paulo Malta, mas ainda assim, garante, é possível simplificar substancialmente a vida ao utente que precise de lidar com a burocracia relacionada com um óbito. Além do serviço, está a ser desenvolvido um folheto ou uma app com os passos (indicação de custos e prazos incluídos) que os familiares terão de percorrer após a morte de um ente próximo. Em andamento está ainda o projeto “Roteiro da Despesa”, que pretende mapear o processo de compra e pagamento de bens e serviços no seio da Administração Pública e optimizá-lo.
Por onde começar?
Na sala de formação, explica-se, que perante um problema, é necessário pensar “how might we…?” (como poderei…?). Fazem-se experiências sobre como encontrar soluções – das mais básicas às mais radicais – e, no fim, guardam-se apenas as mais arrojadas, que são, garantem os três membros da Fundação Nesta, aquelas a que geralmente se dedica mais tempo e recursos. Por fim, para criar um protótipo, há que pensar num “eu quero…”, mas também “com quem quero testar, como, o quê, e que resultado espero”. E, no fim deste trabalho, sai um protótipo, como aquele que, com cartão, deu corpo a um GPS (ou um painel com um mapa interativo) que poderia ser colocado junto às paragens de autocarro.
No Lab X, a ideia é identificar problemas, investigar, conceber e experimentar soluções. Se resultarem, podem ser tornadas realidade – se replicáveis, à escala nacional. Pretende-se que seja um trabalho conjunto: no Lab X, cada um vai poder pensar e treinar soluções para o problema da sua instituição; mas o Lab também vai precisar destes agentes para mudar a sua própria instituição, como num jogo de dominó. Será uma espécie de “comunidade de praticantes”, onde “não há uma receita, mas sim um processo” que, ao ser vivenciado, vai produzindo avanços e transformações nas instituições. Pode não dar em nada (pelo menos à primeira), pode demorar a estender-se a toda a máquina do Estado, mas, acreditam os intervenientes, é o caminho para a promoção da criatividade, da ação dentro da Administração Pública, e de um melhor serviço aos utentes. Se nada disto acontecer, ao menos, pela amostra, terá sido muito divertido.