O ambiente era tenso. Meses de dúvidas e polémicas tinham alimentado um cenário de prejuízo e de desconfiança perante o banco público. O Plano de Recapitalização ainda aguardava luz verde de Bruxelas. E, por cá, as ordens eram para fechar balcões um pouco por todo o País. Nos concelhos e no Parlamento as críticas adensaram-se. E Macedo olhou para o plano que António Domingues lhe deixara de herança e alterou-o. Não muito, é certo. Mas com os critérios que definiu acabou por retirar de uma lista inicial de cerca de 70 balcões, uma dezena de locais, mas acrescentou dois. Suavizou o plano de Domingues… pelo menos, para já. Mas não foi o suficiente para travar as críticas das autarquias que vão ser afetadas.
Qual tribunal, repartição de finanças ou estação dos correios, um balcão do banco público é, em muitos casos, sinónimo de proximidade. E em ano de eleições autárquicas, o que os presidentes de câmara menos querem são populações privadas de mais um serviço ali ao lado de casa. No limite, têm uma estratégia: comprar eles próprios a guerra das populações. E como o banco é público, mas a decisão é da administração e tem autonomia própria, não há entraves de ordem partidária na hora de protestar.
Comunistas, socialistas, social-democratas e centristas partilham as mesmas críticas na hora de apontar o dedo à Caixa e ao Governo que nada faz para mudar os planos de Macedo.
O primeiro sinal de que o encerramento dos balcões da Caixa não ia passar ao lado da luta política foram as perguntas que começaram a inundar o gabinete de Mário Centeno vindas de todas as bancadas.
Querem saber os critérios por trás da decisão. Querem lembrar que as suas populações não podem ficar sem este serviço público. Querem perguntar qual será o destino dado aos trabalhadores.
Até agora, nem uma resposta do ministro.
Na verdade, Centeno poderá sempre optar pela justificação que já se ouviu a António Costa no plenário do Parlamento quando questionado sobre o mesmo assunto: “O Governo não interferirá na vida do dia a dia da Caixa”, o que inclui opinar sobre onde vão fechar balcões. A única garantia dada pelo primeiro-ministro foi a de que era preciso assegurar que “em nenhum concelho deixa de haver Caixa”.
Uma promessa que já chega tarde para a população de Porto Moniz na Madeira, o único concelho onde já só existe uma caixa automática da CGD.
E AGORA ONDE VOU LEVANTAR A PENSÃO?
Os efeitos nefastos em freguesias com população idosa ou os argumentos de que a saída da CGD será mais uma machadada na autonomia destes locais torna-se uma verdade ainda maior quando se trata de terras no interior do País, a vários quilómetros de distância de sedes de concelho ou de outros balcões bancários. Aldeias ou vilas onde o homebanking é um estrangeirismo desconhecido da maioria e onde o multibanco também pode parecer uma caixa vinda do espaço. O balcão da Caixa serve para muitos levantarem as suas pensões, descontarem os cheques dos salários e levantarem dinheiro para as despesas correntes do mês. É por isso que, em alguns casos, as manifestações já se estão a organizar.
Em Almeida, ali na fronteira com Espanha, o presidente António Baptista Ribeiro está “indignado e revoltado” com o fecho do balcão na vila, e já manifestou essa revolta por uma “decisão despropositada e lesiva dos interesses da população” ao ministro das Finanças, com conhecimento da administração da CGD. Para o autarca trata-se de “uma atitude incompreensível”, ainda para mais porque Almeida “é a única sede de concelho que está na lista para fechar” e tanto este balcão como o de Vilar Formoso, também na região, “têm rentabilidades positivas”. É, por isso, que diz tratar-se um “ato de má gestão” e promete que existirão “manifestações contra este ato discriminatório sobre uma população” que é “idosa, que não tem facilidade de aceder a meios informáticos e que vai presencialmente aos balcões do banco”.
Na Atouguia da Baleia, no concelho de Peniche, e em Caranguejeira e Pousos, no concelho de Leiria, há também relatos de contas que começaram a voar para outros bancos: “Há muitas pessoas que estão a transferir as suas contas para outros bancos, o que não é bom nem para as pessoas, nem para a CGD, porque são zonas com um forte peso da indústria”, garante à VISÃO o presidente da câmara de Leiria, Raul Castro. Para o autarca, eleito pelo PS, estes encerramentos são “maus contributos para o desenvolvimento das freguesias” e as pessoas precisam de “estruturas de apoio, sobretudo para quem é idoso ou tem mobilidade reduzida”.
O plano de contestação ainda não está definido, mas Raul Castro diz que o tema irá à reunião de câmara marcada para esta quinta-feira.
Quem já começou a tomar posição foi Vila Real de Santo António, enviando uma carta ao conselho de administração da CGD. O encerramento do balcão de Monte Gordo não caiu bem no concelho, sobretudo tendo em conta que se trata da “principal zona turística” da zona e que, “no verão, mais do que quintuplica a sua população”. Uma nota de imprensa da autarquia dá nota de que “a eliminação do único banco público em Monte Gordo deixará a população com apenas uma única agência de uma instituição bancária do setor cooperativo (a Caixa de Crédito Agrícola), situação que se afigura contraditória com o número de entidades hoteleiras e estabelecimentos comerciais existentes e com a intensa atividade económica associada às dinâmicas turísticas da época alta.
No Barreiro, a autarquia aprovou mesmo uma moção contra o encerramento de balcões da CGD no concelho.
O plano de Paulo Macedo aponta para que Lavradio deixe de ter banco público já no dia 28 de abril e Carlos Humberto Coelho, o presidente da câmara eleito pela CDU, assina o texto que defende um “setor público bancário ao serviço do País e das populações”. A moção a que a VISÃO teve acesso aponta a recapitalização da Caixa como “necessária”, mas diz que “não é possível admitir” que ela seja “sinónimo de encerramento de balcões, despedimento de trabalhadores, nem tampouco signifique o seu enfraquecimento enquanto banco público”.
Apesar das muitas críticas pelo País fora, o certo é que em mais de 60 locais nem todos são de facto imprescindíveis às suas populações. Uma viagem pelo País das tesouradas da Caixa mostra-nos que há quem conviva bem com o corte, como é o caso do concelho de Felgueiras ou Sintra. No primeiro caso, existe uma outra agência bastante perto. E mesmo o fim da agência de Colares não colocará grandes transtornos à população, uma vez que logo na vila de Sintra existe a cerca de 5 km outro balcão.
Ao que foi possível apurar, a Caixa pretende manter em muitos pontos do País áreas de self banking, de que são exemplos as caixas automáticas e os multibancos. E numa espécie de contrapartida para as populações e que está já prometida, por exemplo para o Campo Militar de Santa Margarida, no concelho de Constância. Como explica a presidente da Câmara, Júlia Amorim, a administração da CGD “não foi sensível” ao facto deste balcão servir não só uma população militar de cerca de 1400 pessoas, como “ser a única na freguesia de Santa Margarida, que é a mais populosa, com dois mil habitantes”, sublinha a autarca.
No concelho existe uma outra agência do banco público mesmo em Constância.
Esta também sofrerá alterações: estava a trabalhar em serviços reduzidos, com atendimento ao público apenas até às 12h e vai passar a estar aberta até às 15h00, com um reforço de trabalhadores.
UM PLANO QUE NÃO ACABA AQUI
Este ano serão 61 agências, mas o plano está longe de ficar por aqui. Recentemente, a equipa liderada por Paulo Macedo anunciou que o Plano Estratégico até 2020, que serve de base ao plano de recapitalização da Caixa aprovado em Bruxelas, aponta para que o banco público fique com uma rede de balcões entre os 470 e 490. Se pensarmos que neste momento existem 651 agências pelo País fora, é fazer as contas para se perceber que há muito mais a encerrar do que as 61 agora anunciadas: pelo menos mais uma centena.
O presidente da Câmara de Leiria diz que a Caixa “não fez bem as contas” quando decidiu encerrar balcões, acreditando que ao perder clientes, perderá também enquanto banco. Mas com as várias instituições financeiras a emagrecer a rede de balcões e o número de trabalhadores, a Caixa não será a única. Se agora tem cerca de 14% da quota de agências em Portugal, em 2020, com os encerramentos previstos, deverá passar para valores entre os 13% e os 15%, continuando a ser o banco com maior número de agências no País, ao que apurou a VISÃO. Da lista inicial foram retirados dez balcões: Assembleia da República, em Lisboa, Vila Praia de Âncora, no concelho de Caminha, São Vicente da Beira, em Castelo Branco, Teixoso, na Covilhã, Ericeira, no concelho de Mafra, Praia da Rocha, em Portimão, Lajes do Pico, nos Açores, Faralhão, em Setúbal, e ainda Marvão e Golegã.
Além de Almeida, entrou também na lista a agência de Angra Avenidas, em Angra do Heroísmo. Mas houve várias queixas sobre balcões que afinal não vão encerrar este ano. A inclusão de Teixoso, no concelho da Covilhã, na lista inicial motivou três requerimentos do PS, PSD e PCP e levou a um protesto de população e autarcas, com uma carta endereçada a Paulo Macedo sobre o que consideravam ser “um grave retrocesso no processo de descentralização e proximidade dos serviços do Estado português às suas populações”.
Afinal, o balcão da Caixa em Teixoso mantém-se aberto por mais uns tempos.
O PCP questionou também o Governo sobre o encerramento do balcão no Faralhão, em Setúbal. “Estima-se que, entre pessoas individuais e coletivas, esta agência tenha cerca de quatro mil clientes”, disseram os comunistas a Centeno. E Faralhão saiu efetivamente da lista. para já.
Quando chegou à administração da Caixa no início deste ano, Paulo Macedo recebeu muitas heranças de António Domingues. Esta lista inicial era apenas uma delas. Quis olhar, definir critérios objetivos que lhe fizessem sentido. A cor política não foi tida em conta e todos são afetados. Há 29 autarquias lideradas pelo PS, 13 pelo PSD e sete por uma coligação PSD/CDS. A CDU controla seis e existem quatro independentes, uma do CDS e a coligação alargada do Funchal.
Os critérios da Caixa, segundo apurou a VISÃO, passam por manter o banco em todos os municípios onde já se encontra, mesmo que isso não signifique ter um balcão na sede do concelho. Pode ser numa zona turística mais povoada. Numa aldeia mais central. Quando avaliou os balcões a encerrar, a administração da Caixa teve também em consideração a natureza do País. Ponderou as estradas disponíveis, considerou as facilidades de acesso das populações que ficam sem balcão.
Quanto aos trabalhadores afetados, todos serão recolocados, muitos deles nas agências mais próximas integrando as contas que existiam nesses locais. Para já, a sua principal função será ajudar os seus clientes antigos na fase de transição.
(Artigo publicado na VISÃO 1257, de 6 de abril de 2017)