As contas de Maria Adelaide Monteiro, mãe de José Sócrates, de António Pinto de Sousa, o irmão de Sócrates que morreu em 2011, e de Maria Rita Gomes, empregada da mãe do ex-primeiro-ministro, estão sob suspeita no processo conhecido como Operação Marquês. Um relatório assinado por Paulo Silva, o inspetor da Autoridade Tributária que partilha a investigação com o procurador Rosário Teixeira, não deixa margem para dúvidas: as contas dos dois familiares de Sócrates e da empregada receberam quantias em numerário que não serão compatíveis com os seus rendimentos e as suas atividades profissionais.
De todos os movimentos bancários já reunidos pelos investigadores, os que levantam mais dúvidas são depósitos encontrados nos extratos de duas contas bancárias de Maria Adelaide Monteiro, uma no Banco Português de Investimento (BPI) e outra na Caixa Geral de Depósitos (CGD). Na primeira, de acordo com informações recolhidas pela VISÃO, só em 2006 terão dado entrada sete depósitos em numerário num total de 26 200 euros. Em 2007, o valor depositado em dinheiro vivo na mesma conta quase duplicou: 51 650 euros. Em 2008 quatro depósitos totalizaram 14 mil euros e, em 2009, sete depósitos em numerário chegaram aos 11 500 euros.
A defesa de José Sócrates alega que aqueles movimentos “não mostram razões para qualquer suspeição” e “foram já totalmente esclarecidos, por documentos e testemunhas, ao longo do inquérito”. A investigação tem outro entendimento. E em novembro, por entender que nem todos os movimentos estavam esclarecidos, pediu ao BPI cópias dos documentos de suporte daqueles registos. O mesmo pedido foi feito à CGD. Entre fevereiro de 2010 e junho de 2001 terão entrado nessa conta 171 250 euros repartidos em seis depósitos. De onde veio esse dinheiro? Os investigadores ainda procuram a resposta. No total, entre 2006 e 2011 terão entrado nas contas da mãe de Sócrates cerca de 270 mil euros – pelo menos 103 mil terão chegado em dinheiro vivo.
Na conta da CGD em nome do irmão do ex-primeiro-ministro também terão dado entrada mais de 75 mil euros entre novembro de 2008 e outubro de 2011 (António Pinto de Sousa morreu dois meses antes). Divididos em, nada mais, nada menos, do que 57 depósitos. Os advogados de Sócrates, em resposta à VISÃO, defendem que esses depósitos estão “perfeitamente coadunados com a normalidade da vida”.
Ao que a VISÃO averiguou, há meses que os investigadores desconfiam que contas de pessoas próximas do ex-primeiro-ministro terão sido usadas para ocultar património, razão pela qual têm insistido em sucessivos pedidos de informações a instituições de crédito. As contas de José Sócrates e de José Paulo Bernardo Pinto de Sousa – o primo com residência em Angola, suspeito de ser “o gordo” mencionado como intermediário no processo Freeport – também não escapam. Paulo Silva já terá pedido os extratos das contas de Sócrates e de José Bernardo desde janeiro de 2005. Em fevereiro desse ano Sócrates venceria as legislativas.
E que caminhos levam os investigadores até Maria Rita, a empregada da mãe de Sócrates que também prestava serviços ao ex-primeiro-ministro? Rita – que foi ouvida como testemunha no processo, em fevereiro de 2015 – terá sido a responsável por esconder obras de arte de Sócrates em sua casa e um computador, uma impressora e uma pen do ex-primeiro-ministro noutro apartamento do edifício Heron Castilho, em Lisboa, mal houve notícia da detenção. Sócrates desculpou-a dizendo que obedeceria a ordens da sua mãe, Maria Adelaide. Só que tudo aponta para que Maria Rita estivesse bem informada sobre as movimentações de dinheiro entre os Pinto de Sousa. O Ministério Público desconfia que terá assistido a um momento, em 2012, em que Maria Adelaide se dirigiu ao balcão do BPI na Praça do Município, em Lisboa, para forçar a abertura de um cofre bancário (que os dois filhos estavam autorizados a abrir) e “recolher os bens que naquela data ali permaneciam”. Sobre Rita, a defesa de Sócrates diz desconhecer quaisquer elementos “que justifiquem suspeitas e investigações”. E aproveita para disparar contra o Ministério Público, “que já se referiu a valores da ordem dos 23 milhões de euros” e “passa agora a interessar-se por assuntos da ordem das centenas de euros, meramente para eternizar uma devassa doentia” e “mantendo ilegalmente aberto o inquérito”.
Para quando a acusação?
O procurador Rosário Teixeira tem menos de dois meses para apresentar ao diretor do DCIAP uma data previsível para a conclusão do inquérito contra Sócrates
Prazo a esgotar-se – O diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) deu indicações precisas em dezembro sobre o rumo que pretende que seja seguido no processo. Através de uma nota da Procuradoria-Geral da República de 23 de dezembro, ficou a saber-se que Rosário Teixeira tinha três meses para indicar uma data previsível para a emissão de um despacho final de inquérito (com acusação ou arquivamento). O prazo esgota-se dentro de menos de dois meses.
Tensão nos bastidores – A enorme pressão causada por um processo que tem como principal suspeito um ex-primeiro-ministro tem causado brechas na equipa responsável pela condução da Operação Marquês. Ministério Público e Autoridade Tributária (AT) têm opiniões divergentes sobre a estratégia a seguir. Paulo Silva, o chefe da AT responsável, por exemplo, pela análise de toda a informação bancária recolhida no processo, já fez questão de deixar claro que está contra pressas: a resolução de um caso com a natureza da Operação Marquês “não se coaduna com a vontade popular”, argumentou. Amadeu Guerra não gostou e, por isso, estabeleceu prazos.
Vêm aí processos separados – As indicações vêm do topo do Ministério Público. Serão extraídas certidões de partes do processo que venham a demorar mais tempo a investigar. Para que seja cumprido um objetivo: ter pelo menos um inquérito terminado em 2016. O mais provável, dizem fontes próximas do processo, é que as suspeitas de corrupção fiquem para outras núpcias. Para já, deve insistir-se nos indícios que sustentem a tese de que o dinheiro de Santos Silva na Suíça era de Sócrates, de forma a sustentar uma acusação por fraude fiscal e branqueamento de capitais.