A vacina e a sua promessa de salvar vidas e limitar a transmissão do coronavírus está aí, ao mesmo tempo que se anunciam novos tratamentos que reduzem a ação danosa do SARS-CoV-2 para o homem – e isso, consideram agora os responsáveis políticos do Reino Unido, é mais do que suficiente para ajustar a forma como se encara este coronavírus. Ou seja, a estratégia agora será no sentido de encontrar a melhor forma de conviver com ele, em vez de o tentar erradicar.
“As vacinas e os tratamentos que têm vindo a ser desenvolvidos vão ser o nosso caminho para a liberdade. E até ao fim do ano, será possível fazer com que a Covid-19 se torne uma doença tratável”, disse Matt Hancock, o secretário da Saúde britânico, em entrevista ao diário The Telegraph – a deixar claro que está a ser descartada a estratégia conhecida como “Covid Zero”, cujo objetivo era eliminar o coronavírus do território britânico.
A mesma ideia haveria de ser defendida por David Davis, deputado do partido conservador – que é o que está no poder. Em declarações à rádio BBC, resumiu: “Havemos de chegar a um ponto em que haverá mortes por Covid-19 a um nível considerado normal e teremos de viver com isso.”
Erradicar é impossível?
A alteração da estratégia prende-se sobretudo com a ideia cada vez mais generalizada de que estamos perante um vírus endémico, do qual dificilmente nos livraremos – como nos têm repetido os mais diversos epidemiologistas, sempre a lembrarem-nos que não somos muito bons a erradicar vírus do planeta.
Segundo reza a história, aconteceu uma vez, com a varíola, nos anos 1980, e demorámos décadas a fazê-lo, devido a um conjunto bastante singular de circunstâncias: uma vacina que não precisava ser refrigerada e que revelava no momento da inoculação se estava a fazer efeito ou não, devido ao aparecimento de pústulas. Era igualmente claro para todos quando havia alguém infetado, sem necessitar fazer teste, o que se revelou uma enorme vantagem no processo de conter os surtos. Já a Covid-19, como bem sabemos, é completamente diferente.
Daí que a estratégia “Covid Zero”, cujo objetivo é a eliminação – como quem diz, a redução dos casos para muito próximo do zero num determinado território e mantê-los nesse patamar – possa não ser a mais ajustada. Mas não é, diga-se ainda, uma opinião consensual no Reino Unido.
Vida “mais ou menos” normal?
É que ainda há quem defenda que se deve tratar a Covid-19 como o sarampo, amplamente eliminado nos países ricos. É o caso de Devi Sridhar, uma especialista em saúde pública da Universidade de Edimburgo, na Escócia, citada pela BBC, que argumenta que “as contínuas restrições”, para diminuir o número de casos, combinadas com “um sistema de testes e vacinação mais eficaz” vão permitir conter o coronavírus em níveis próximos do zero – e que será isso a permitir que o Reino Unido tenha uma vida “mais ou menos” normal. Isto porque, no entender de Sridhar, será necessário manter restrições nas fronteiras e confinamentos “curtos e severos”, sempre que se detete um surto. Não é a única a pensar assim. Do seu lado, está também Deepti Gurdasani, epidemiologista clínica da Universidade de Londres, nome que consta entre os mais de 4 mil signatários da petição Covid Zero, que corre no território britânico. “A nossa vida pode voltar ao normal”, insiste, “podemos até abrir corredores de viagens com outros países que sigam o mesmo caminho”.
Mas será realmente exequível e compatível com o que desejamos para as nossas vidas? Essa a questão que levanta François Balloux, diretor do Instituto de Genética do University College London, sublinhando que essa estratégia, amplamente implementada nos países asiáticos, “não é compatível com os direitos e liberdades individuais que caracterizam as democracias do pós-guerra”.
“Vivemos ao lado de vírus há milénios”
A aparente cautela em assumir que conter a Covid-19 não significa eliminá-la é compreensível, já que os cientistas também querem ver primeiro qual o verdadeiro impacto das vacinas um pouco por todo o mundo. Um grande estudo da Public Health England, a agência governamental de Saúde Pública do país, procura agora analisar isso, e espera-se que os seus resultados sejam conhecidos ainda antes do levantamento de algumas restrições, no início de março.
Segundo o que já se sabe, até pela experiência de Israel que lidera o processo de vacinação no planeta, as vacinas têm um significativo impacto na redução das infeções – e onde continuem a verificar-se, espera-se que, pelo menos, possam prevenir formas graves da doença. E isso, segundo frisa o principal consultor médico inglês, Chris Whitty, é o que nos permitirá chegar ao ponto em que “reduziremos o risco” deste coronavírus. Um plano também apoiado por Robert Dingwall, membro do grupo de aconselhamento para ameaças de vírus respiratórios novos e emergentes do Reino Unido. “Vivemos ao lado de vírus há milénios. Faremos o mesmo com o da Covid-19.