A conversa é velha e vem desde o início da pandemia, quando há cerca de um ano, a Organização Mundial da Saúde fez questão de sublinhar que só o diagnóstico permitiria ter o controlo da doença – e com isso queria dizer testagem, mais testagem e melhor testagem. A necessidade de agir em várias frentes poderá explicar as razões por que a medida não se generalizou, mas não só: ainda estávamos no verão e já a Ordem dos Médicos acusava o Governo de reduzir a testagem à Covid-19 para melhorar os números da doença em Portugal – ao que a Direção Geral da Saúde respondeu que mantinha o objetivo de duplicar a testagem no outono.
Até então, recorde-se, apenas eram feitos os testes PCR, em laboratório, por indicação das autoridades de saúde. Nessa altura, a introdução dos testes rápidos no mercado permitiu alargar a capacidade de testagem – embora ainda assim, com várias limitações, já que, como recomendava a Direção Geral da Saúde, deviam ser feitos “com ponderação e reserva”, requerendo prescrição e acompanhamento médicos. Além disso, “só em contexto da investigação de surtos, sob coordenação das autoridades de saúde” é que “a prescrição individualizada” poderia “ser dispensada”.
Foi um mercado que sofreu uma grande procura nas vésperas de Natal, quando uma grande parte da população acorreu a fazer teste por sua livre iniciativa como forma de minorar o risco de infeção nos seus encontros natalícios. Mas, ainda assim, esse efeito não teve grande repercussão naquele que é considerado um dos indicadores apontados quando se trata de avaliar se o nível de testagem está a ser adequado. Falamos da taxa de positividade ou a quantidade de testes que são feitos para detetar pessoas infetadas. Segundo a recomendação da Organização Mundial da Saúde, deve rondar os 5% – caso contrário, quer dizer que estamos a testar mais as pessoas já com grande probabilidade de estarem infetadas e a detetar pouco os assintomáticos, que, reconhecidamente, são a grande generalidade dos casos.
No verão, era um valor situado abaixo dos 2%, mas em meados de janeiro, a taxa estava nos 17,7%, como notou então publicamente Miguel Guimarães, o bastonário da Ordem dos Médicos. Duas semanas depois, Manuel Carmo Gomes, o conhecido epidemiologista que abandonou no mês passado as reuniões dos especialistas no Infarmed, voltou a defender que urgente no combate à Covid-19 era haver mais testagem – mais até do que o confinamento. “É a principal arma que devemos usar”, salientou acusando ainda o governo de “andar atrás da epidemia”.
Marta Temido, a ministra da Saúde, viria a declarar, em seguida, que também “queria uma testagem massiva” e que tinha pedido à Direção Geral da Saúde para reavaliar o processo. “Já exortamos a Direção-Geral da Saúde a rever as orientações técnicas, considerando para o efeito de realização de testes que devem ser considerados todos os contactos e não restringir a contacto de risco”. Normas que foram atualizadas no final da semana passada – momento em que a taxa de positividade estava 9 por cento, mantendo-se, portanto, acima dos valores recomendados.
E os recursos, senhores?
“Se a taxa de positividade está mais alta do que o valor recomendado quer dizer que não estamos a testar todos os possíveis infetados”, frisa também Filipe Froes, do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19. “Ou seja, continuamos a perder a guerra dos contactos e dos assintomáticos” – isto sabendo-se que, em regra, só se detetam um terço dos possíveis casos.
Inverter este cenário é então o propósito do documento designado como a nova estratégia para testagem, que impõe agora um diagnóstico rápido em setores com grande mobilidade social, escolas, lares, fábricas e construção, e de uma forma mais alargada – ou seja, a todos os contactos, de maior ou menor risco. Por outro lado, estipula também que estes contactos sejam feitos, idealmente, nas 24 horas seguintes à identificação do caso positivo.
“Testar é um caminho importante e se, no início foi alvo de uma política fortemente restritiva, depois a situação foi melhorando”, assume Ricardo Mexia, o presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Saúde Pública (APMSP), a propósito das novas normas publicadas no final da semana passada. Mas, insiste, “só será possível fazer mais se houver um número reduzido de casos”, como quem diz, “não se trata só de testar, é preciso depois ter capacidade para manter a vigilância epidemiológica. É absolutamente essencial ter mais recursos, se pensarmos que estão ainda dezenas de milhares de inquéritos por fazer e que o sucesso da metodologia pressupõe que sejam feitos em tempo útil”.
Número de testes por semana fixo?
Então, se já há norma para reajustar estratégia, já poderemos considerar que estamos mais perto do objetivo? Depende. Para Luís Menezes, diretor-geral da Unilabs, empresa de diagnósticos clínicos que tem estado a colaborar com as autoridades de saúde nos diagnósticos da Covid-19, é na capacidade de rastreio é que está o busílis da questão – não no aumento por si só da testagem.
“O que os nossos especialistas têm defendido é que não se devem fazer testes consoante o número de casos positivos detetados, mas estabelecer um valor fixo semanal, acompanhado de uma forte vigilância epidemiológica. Só a testagem regular permite apanhar cadeias de transmissão em tempo útil”, explica aquele responsável, a lembrar ainda que “se a testagem for constante será bem mais fácil conter grandes avanços” – como aconteceu, exemplifica, entre o dia 26 de dezembro e os primeiros dias do ano, em que o número de testes baixou drasticamente. “Se fizermos um milhão de testes, mas depois não tivermos capacidade de fazer o rastreio, não serve de nada”.
Outro problema, assinala ainda o responsável da Unilabs, será depois avançar para a testagem de populações fixas, referindo-se aos anunciados testes a fazer em escolas, fábricas e afins. “Nesses casos, vão ter de ser feitos nos locais. Tem de ir uma equipa de 15 em 15 dias a esses sítios testar toda a gente. Fazer isso só uma vez não vale de nada. Ora”, continua, “nos hospitais e clínicas, essa logística já está montada; as equipas móveis não.”