Pode-se dizer que os cem primeiros dias de Donald Trump na presidência dos EUA foram confusos, polémicos ou até assustadores, mas não monótonos. O 45º presidente americano já bombardeou dois países, ameaça um terceiro, criticou a China e está numa zona cinzenta em relação à Rússia. Se nenhum metro do muro na fronteira com o México foi construído, houve tentivas de barrar a entrada de imigrantes chumbadas por juízes.
Se os primeiros meses de governo servem de indicativo para os próximos três anos e meio, é de se esperar um governo com muitas ordens executivas e diplomacia (ou falta de) feita pela rede social Twitter. Leia as principais políticas de Trump nos primeiros cem dias de governo:
Diplomacia
O conflito define o início da era Trump na política internacional, seja com palavras ou bombas. Na Síria, 59 mísseis foram disparados sobre uma base aérea em Shayrat após o regime sírio ter alegadamente usado armas químicas contra uma zona rebelde. No Afeganistão, foi lançada a “mãe de todas as bombas”, a arma não-nuclear mais poderosa da história.
O ponto de maior tensão é agora com a Coreia do Norte. Trump ameaça ações militares caso a ditadura de Kim Jong-un não encerre o programa nuclear. O governo norte-coreano responde com testes e exercícios militares. Trump ainda entrou em conflito com a China, ao acusar o país de proteger o aliado comunista. A tensão política diminuiu após um jantar com o presidente Xi Jinping (realizado no mesmo momento do ataque aéreo na Síria), um dos oito representantes estrangeiros a ter uma reunião com o líder norte-americano.
Houve também atritos com aliados históricos dos EUA. Em fevereiro, Trump criticou via telefone o primeiro-ministro australiano, Malcolm Turnbull, por reforçar um acordo de relocação de refugiados feito ainda no governo Obama. Apesar de encontrar-se pessoalmente com Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, as duas nações vizinhas veem reacender o debate sobre as importações de madeira, um conflito económico que ocorre desde a década de 80, e laticínios.
Os atritos parecem não terem tido reflexo na área do desporto, já que México, Canadá e EUA anunciaram a candidatura conjunta para o Mundial de futebol de 2026, com a aprovação de Trump.
Rússia
Resta a Rússia e todas a dúvidas a envolver a campanha presidencial com Vladimir Putin. O FBI investiga se o comité de campanha de Trump conversou com membros do governo russo sobre a tentativa de influenciar as eleições de 2016. Michael Flynn, consultor de segurança nacional, renunciou ao cargo após investigações apontarem que conversou com o embaixador da Rússia sobre as sanções impostas pelo governo Obama durante o período de transição.
Apesar disso, é difícil saber em que ponto estão as relações diplomáticas entre as duas potências. O bombardeio americano na Síria estremeceu a relação da Casa Branca com o Kremilin, aliado do governo de Bashar al-Assad.
Imigração
A questão da imigração foi um ponto central da campanha de Trump, e o presidente americano se não agiu, ao menos tentou dar início às suas polémicas propostas. A medida mais controversa ocorreu logo na sua primeira semana no poder: a proibição, via ordem executiva, da imigração de cidadãos de sete países de maioria islâmica (Iraque, Irão, Líbia, Somália, Sudão, Siria e Iémen) por 90 dias. A ordem causou revolta e foi chumbada posteriormente.
Em relação ao muro na fronteira com o México, Trump assinou a ordem executiva para a sua construção no quinto dia de mandato, mas ainda restam dúvidas sobre como o “México pagará”, uma das frase favoritas de Trump durante a campanha. Algumas estimativas apontam que o custo da obra pode ser de até U$ 20 mil milhões (€18,3 mil milhões). A ordem executiva não explica como será feito o financiamento, mas o plano divulgado é de que, inicialmente, o governo americano pagará pela obra e, depois, o dinheiro que será recuperado através da tributação em 20% dos produtos importados do vizinho ao sul. Em cem dias, nem uma pedra foi lançada para a construção do muro.
Com ou sem muro, o facto é que está a ser adotada uma política mais dura contra imigrantes ilegais. As prisões de imigrantes na fronteira caíram em 67% em março, visto pelo governo como sinal de que os discursos de Trump estão a inibir possíveis imigrantes. Já a detenção de ilegais não-criminosos dentro do país mais do que duplicou em comparação com o governo Obama.
Política económica
O lema “América primeiro”, repetido diversas vezes durante a campanha, pareceu ser o mote da política económica de Trump nos primeiros dias de mandato, mas aos poucos perdeu força.
Um dos primeiros atos como presidente foi retirar os EUA do Acordo de Associação Transpacífico, que envolve 11 países. Há pressão para que algo semelhante ocorra ao NAFTA, acordo de livre-comércio entre México, EUA e Canadá.
Representantes do governo Trump chegaram a afirmar esta semana que o presidente estava pronto para assinar uma ordem executiva que daria início ao processo de saída dos EUA do pacto. Trump disse que nada neste sentido será feito, por enquanto. Durante a campanha, Trump classificou o NAFTA como o “pior acordo económico da história”, e prometeu uma profunda renegociação e até o seu fim,
Outras ameaças feitas no período eleitoral não foram cumpridas. Os EUA descartaram denominar a China de “manipuladora cambial”. A Casa Branca também se mostrou aberta a negociar um acordo económico com a União Europeia.
Trump também deu início à “maior reforma fiscal da história”. Os impostos para as empresas vão cair de 35% para 15%. Para os mais ricos, os impostos baixam de 39,8% para 35%, além do fim de uma taxa de 3,8% cobrada para o financiamento do Obamacare.
Ainda não se sabe quais serão benefícios para as classes média e baixa. A proposta ainda tem que ser aprovada no Senado e pode enfrentar resistência devido ao risco de aumento significativo do défice americano.
Política interna
Trump ainda conta com o apoio da maioria republicana no Senado, mas deparou-se com algumas barreiras. A alternativa dos republicanos ao Obamacare, plano de saúde do governo, teve que ser tirada de votação por não ter apoio o suficiente para ser aprovada na Câmara dos Representantes. Neil Gorsuch, novo juiz do Supremo Tribunal, teve o cargo confirmado apenas depois dos republicanos ativarem a “opção nuclear”, que mudou a regra de aprovação de 60 votos para uma maioria simples.
Trump governou na maior parte do tempo por ordens executivas. Foram 26 medidas neste modelo, além da revogação de nove atos de Obama. Ainda falta a montagem da estrutura completa de governo. Dos 554 cargos fundamentais para o funcionamento do poder executivo, 532 ainda não foram aprovados no Senado.
O poder judiciário também impôs derrotas ao governo. Ter o decreto que proibia a entrada de imigrantes de sete países chumbado por juízes foi a primeira revés da administração Trump. Esta semana, um juiz federal também chumbou a ameaça feita por Trump de retirar o financiamento de cidades que não cooperem com a políticas de imigração da Casa Branca.
Polémicas
Se havia a expectativa de um Trump mais cuidadoso com as palavras após tornar-se presidente, não se confirmou. Foram escritos mais de 900 tweets enquanto POTUS. Foi pela rede social que o presidente fez algumas das ameaças mais incisivas contra a China, criticou as decisões contrárias da Justiça, reclamou das paródias feitas contra ele no humorístico Saturday Night Live.
Mas todos os conflitos do presidente não cabem em 140 caracteres. Os Democratas exigem que Trump divulgue a sua declaração de impostos e levantam suspeitas sobre a existência de um conflito de interesses entre o Trump presidente e Trump empresário. Um exemplo, a mudança de retórica do inquilino da Casa Branca face a Pequim depois do governo chinês ter aprovado 35 marcas registadas do conglomerado Trump, que também sairá beneficiado se a reforma fiscal avançar.
Há mais. Em cem dias, Trump acusou Obama de tê-lo espiado durante a campanha presidencial, disse que houve três milhões de eleitores ilegais em 2016, impediu a entrada de jornalistas críticos ao seu governo de conferências de imprensa, passou sete fins de semana no seu clube de luxo na Flórida (onde realizou o jantar com Xi Jinping no auge da crise entre EUA e China) e colocou dois familiares no governo.
Restam ainda três anos, oito meses e 22 dias.