Nas ruas de Budapeste, cartazes do governo convidam os húngaros a preencher um inquérito com o objetivo de “Parar Bruxelas”. No país de Viktor Órban, segundo as suas próprias palavras, os imigrantes são um “veneno”, o segredo do sucesso económico é a “homogeneidade étnica” e a democracia liberal deve ser abandonada a favor de um “Estado iliberal”. Entre ataques ao sistema judicial e aos media húngaros, suavizados por Bruxelas, muitas diatribes foram permitidas ao homem que lidera a Hungria desde 2010.
Comissão e Parlamento Europeu consentiram o “ditador” – como lhe chamou Jean-Claude Juncker em tom de brincadeira durante uma cimeira europeia – até não haver mais elasticidade para assaltos aos princípios democráticos. Como aconteceu esta quarta-feira quando Budapeste pisou uma linha vermelha, a que ninguém parece querer ficar indiferente. O parlamento húngaro aprovou alterações à lei do ensino superior, que podem enfraquecer a independência universitária e a liberdade de ensino.
As emendas partem de minúcias burocráticas para condicionar a atividade de uma universidade em especial, a Central European University (CEU) – fundada em 1991 e financiada por George Soros, um especulador financeiro transformado em filantropo, com origens húngaras. “Na Hungria, ninguém pode ficar acima da lei, mesmo os bilionários”, defende Órban, que desde o início do ano tem atacado as estruturas de Soros, incluindo a sua Organização Não Governamental (ONG). Com base nesta iniciativa legislativa, já aprovada por 123 deputados contra 38, a CEU deixa de poder emitir diplomas universitários americanos, uma vez que isso “lhe daria uma vantagem injusta face às universidades húngaras”, argumenta o governo de Budapeste.
A CEU fica em risco de fechar portas, com os seus 14 mil alunos de 117 países. O próprio Órban, enquanto jovem estudante, recebeu uma bolsa de Soros para estudar em Oxford, de acordo com o Politico.eu. “As vítimas deste ataque sem precedentes à independência académica e à sociedade civil serão os húngaros”, reagiu, em comunicado, a Fundação Open Society, de Soros.
O primeiro-ministro húngaro conseguiu, com esta medida, provocar uma indignação profunda e invulgar no PPE, a família política dos conservadores no Parlamento Europeu da qual faz parte o partido de Órban (Fidesz), e os portugueses PSD e o CDS. “Nunca houve um grau de tensão tão elevado como aconteceu na reunião do PPE de ontem. Foi uma reunião firme”, disse Paulo Rangel, à VISÃO. O eurodeputado social-democrata, e vice-presidente do PPE, classifica a nova legislação húngara “de muito preocupante” e explica que a maioria das delegações do grupo político mostrou “repúdio, desconforto”, incluindo a portuguesa. Já as delegações da Eslováquia, Eslovénia e Roménia tiveram uma posição mais recuada.
Um eurodeputado luxemburguês do PPE, Frank Engel, escreveu mesmo um email, a que o Politico.eu teve acesso, a perguntar aos colegas húngaros: “Porque não deixam o PPE e a UE? Vocês estão fora de qualquer maneira. Por isso vão, por favor, partam.” O espectro mais à esquerda da Eurocâmara tem, repetidas vezes, pedido aos conservadores que expulsem o Fidesz e os seus 11 eurodeputados do PPE.
Nos bastidores parlamentares, a nova colisão de Órban com Bruxelas é vista como um passo em frente para criar um contencioso claro com o PPE, para a partir daí o seu partido ser expulso e o grupo político passar a ser um inimigo externo – uma vitimização que parece ter capital de queixa. “A liberdade de pensamento, de investigação e de expressão são essenciais para a nossa identdiade europeia. O grupo PPE irá defender isto a qualquer custo”, avisou Manferd Weber, líder parlamentar do grupo político.
A resposta partidária, no entanto, deve ser mais gradual. Entre os cenários em cima da mesa, o PPE deve pedir primeiro um esclarecimento a Budapeste e, no caso de não existir um recuo, o grupo não exclui tomar uma posição dura. Paulo Rangel salienta também que está na hora da Comissão Europeia tomar as rédeas do processo, uma vez que é a instituição a quem cabe supervisionar se um Estado cumpre os princípios de um estado de direito e abrir processo de infração.
Carlos Moedas, comissário europeu para a Ciência, indica que irá “proceder a uma análise completa da lei e do seu respeito das regras da UE”. O português salienta, ainda, que a CEU é o factor principal para a Hungria ter recebido 12 subsídios do “competitivo Conselho Europeu de Investigação”. O apoio à CEU tem crescido na última semana, com milhares de entidades e pessoas, entre as quais dezenas de portugueses, a assinarem uma petição.