Teresa Ter-Minassian, macro-economista especializada em Finanças Públicas e Mercado de Trabalho, foi, durante 37 anos, quadro do FMI. Em 1983, chefiou mesmo a missão da segunda intervenção do Fundo em Portugal. No final de fevereiro, andou pelo Porto para participar numa conferência da AEP sobre produtividade. Aproveitámos e falámos com ela sobre o panorama internacional
Vamos ter de viver ainda muito tempo com inflação e juros altos?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Na verdade, e infelizmente, a desaceleração da inflação vai ser mais lenta do que se esperava. A política monetária parece ter menos efeito hoje. Pode ser porque o complexo sistema financeiro está a encolher o papel do setor bancário. A inflação começou com o preço de bens, porque havia problemas nas cadeias de abastecimento e também por causa do preço da energia. Agora, estes fatores estão a diminuir, mas os preços dos bens e serviços estão a crescer. Há repercussão do aumento dos preços de energia e transportes nos bens de consumo. Mas há também algum catching up nas margens, que se estende aos serviços. Vamos ver alguma melhoria da inflação, mas vai ser um processo lento, mesmo que o BCE continue com taxas de juro elevadas. Acredito que vai continuar a subir os juros, provavelmente em boa parte deste ano. Se, então, a inflação mostrar uma queda clara, pode começar a diminuir.
É realista querer atingir a meta dos 2% de inflação?
Vai ser muito difícil, pelo menos até 2025. O problema é que o mundo está cada vez mais imprevisível, cada vez mais sujeito a choques. Se eu fosse banqueira central não diria: ‘vamos até uma taxa de 3 ou 4 %’. Não. Porque isso dá um sinal perigoso, até para as atualizações salariais. Tem de dizer: ‘vamos tentar chegar aos 2%’. Se isto vai criar grandes recessões? Acho que não.
A Europa está a tentar diminuir a dependência da Ásia e tem defendido muito a Reindustrialização. Vai conseguir?
Esqueci uma razão por que estou preocupada com a inflação. O grande fator de moderação dos preços internacionais nas últimas décadas foi a globalização. Isto está a reverter e, sem dúvida, vai continuar a reverter. Oxalá, não completamente a ponto de fechar as economias por razões geopolíticas. Mas vamos ver algum fechamento de algumas economias nacionais. E da economia europeia. Isso não ajuda à desinflação no medio prazo. Provavelmente, essa será uma razão estrutural que vai puxar para cima a taxa de inflação de longo prazo.
Então, considera a reindustrialização da Europa uma miragem ou um erro?
Não é uma miragem, mas… É bom ter reindustrialização, mas isso é uma palavra de código para dizer: temos de importar menos da China e da Ásia. Vai ter algum custo em termos de inflação. E pelo menos requer um aumento da produtividade da própria Europa.
As sanções económicas à Rússia têm surtido algum efeito?
Tem algum impacto, sem dúvida, principalmente no que concerne à sua possibilidade de importar bens. Mas no que respeita ao petróleo, é um mercado internacional, pode haver algum desconto, mas continuaram a vender. O gás, menos, porque este é mais difícil de transportar, é preciso abrir novos canais. No médio prazo, é seguro que vai reduzir significativamente a taxa de crescimento da economia russa. Mas não me parece que as sanções tenham um impacto forte imediato.
A Ucrânia estará preparada para aderir à UE?
(risos) Não sei. É uma decisão muito política. Provavelmente, vai ter de fazer ainda muitas reformas na sua própria economia para ser um bom candidato. E não significa que vá receber o ok, porque vai necessitar de muita ajuda da UE e de outros países. A maior fatia vai ter de ser da UE. Porque não sei quanto tempo vai durar esta política nos Estados Unidos. Biden está muito comprometido com isto, mas quem sabe o que vai acontecer nas próximas eleições americanas? E os EUA vão dar mais apoio militar do que económico.
A partir dos Estados Unidos como veem a UE?
Depois do que aconteceu com a Covid, e com este pacote do PRR, a UE mostrou que há um grau de solidariedade que não se esperava. E isso é bom e necessário. A Europa tem de ser mais do que um mercado comum.
Tem de haver mais compromisso político?
Sim
Mas na Europa, nomeadamente em Itália, e também nos EUA tem-se assistido a um crescimento da extrema-direita. Que leitura faz disso?
Não diria tanto crescimento, porque, nos EUA, as últimas eleições mostraram que a extrema-direita perdeu, em relação ao que tinha em 2016 e em relação ao que eles esperavam. Esperavam uma grande onda vermelha [cor do Partido Republicano], mas os candidatos mais extremos não foram eleitos. Isto está a criar uma outra dinâmica dentro do Partido Republicano, para decidir qual é o público a que querem agradar: se aos extremos, se aos mais moderados. Não vão ganhar as presidenciais, nem mesmo o controle do congresso, se não conseguirem atrair o eleitorado moderado. Mesmo na Itália, o governo de Georgia Meloni está a ser mais moderado do que se esperava, porque o governo sabe que o país não pode sair da UE, por isso tem de procurar meios termos. Vão tentar, claro, dentro das instituições europeias, fomentar uma agenda mais de direita. Mas o voto italiano foi um voto de protesto.
A direita tem tendência a ser mais nacionalista, a fechar as suas economias?
Nos EUA são todos democratas ou republicanos. Se há uma coisa em que estão os dois de acordo é em serem mais protecionistas! O que verdadeiramente é contra a tradição republicana no passado, que era o partido mais favorável à globalização. Agora, depois de Trump, é o partido do fechamento da economia americana. Os democratas foram sempre mais protecionistas. Hoje, infelizmente, há bastante consenso acerca de uma agenda mais nacionalista. Na Europa, provavelmente é verdade que a nova direita, mais extrema, é mais protecionista.