Prometem-lhe literalmente o paraíso e um adeus permanente aos transtornos burocráticos do Fisco. Propõem-lhe a criação online de empresas e fundações em paraísos fiscais e contas bancárias offshore com acesso a cartões de crédito e de débito anónimos. Tudo à distância de um clique e a preços apetecíveis.
Se quiser abrir os cordões à bolsa, até lhe vendem a cidadania de St. Kitts e Nevis ou Dominica por 50 mil dólares mais despesas. Mas o grosso da oferta na net destina-se aos bolsos mais modestos.
Experimente googlar os termos offshore company + incorporation. O motor de busca devolve-lhe 80,7 milhões de resultados em 0,55 segundos. Logo no início, encontrará centenas de empresas especializadas a quererem vender-lhe sociedades offshore.
Agora, sem sair de casa, é só escolher a entidade em cujas mãos colocará o seu pé de meia a salvo do Fisco ou da pessoa de quem se quer divorciar. O marketing é muito direto. A clareza de empresas como a Fast Offshore é constrangedora: “Mantenha os seus assuntos de negócios e património a salvo de olhos intrometidos, como potenciais requerentes, ex-cônjuges, credores agressivos, concorrentes e outras partes.” Fala também em “outras variáveis de litigância”, que subentendemos como sendo a polícia e o Fisco.
A OffshoreCompanyCorp.com esclarece que os paraísos fiscais têm uma tributação baixa ou nula e garante que não é necessário o registo de contas nem é obrigatório declarar os seus rendimentos. Como a maioria, também este site especializado lhe garante uma sociedade offshore em poucos dias e por pouco dinheiro: 299 dólares (€266), se optar pelo Reino Unido. A este valor acrescem outros 259 dólares (€230) anuais, a partir do segundo ano, e outros 365 dólares (€325) anuais em taxas para o governo. Nas Ilhas Virgens Britânicas o preço é mais elevado, mas aí a confidencialidade é significativamente maior e a tributação nula.
Com 299 dólares adicionais, abrem-lhe ainda uma conta bancária, em Hong Kong, associada à sua offshore pessoal no banco HSBC. E só precisa de €17 800 para lá depositar. Com o mesmo depósito, pode optar por uma conta na Suíça (no CIM Banque) para a sua offshore pessoalíssima. Mas o serviço sairá mais caro: 499 dólares (€441). Noutras promotoras de offshores low cost, a oferta é parecida. A identidade dos beneficiários, acionistas e diretores das empresas é sempre salvaguardada. Geralmente, a oferta já inclui os “testas de ferro”, bem como o apartado que funcionará como morada da empresa.
E se precisar de mais algumas camadas de opacidade para “blindar” o seu património, caro leitor, não hesite. Afinal, a sua irmã e os primos não precisam de saber daquele montante que a tia solteirona (infelizmente, falecida no mês passado), lhe pedira para gerir. É com agrado que qualquer prestador de serviço lhe propõe a “incorporação” de uma fundação ou holding, por exemplo nas Bahamas, para controlar a sua offshore sediada, digamos,nas Ilhas Caimão. Pode assim criar cascata de opacidade, capaz de despistar quem queira vasculhar na sua privacidade.
Riscos
O processo, garantem, é pouco burocrático. Mas inclui a transferência de elementos pessoais (cópia do passaporte, por exemplo) e, claro, os dados do seu cartão de crédito.
Sabendo o leitor que “não há almoços grátis”, vai confiar o seu dinheiro a desconhecidos virtuais? “O primeiro risco que se corre é o de se ser burlado”, avisa o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro. As fraudes através da internet são uma das principais fontes de receita das máfias, numa altura que a cibercriminalidade provoca estragos de €330 mil milhões a €500 mil milhões (dobro e o triplo do PIB português).
“Eu não colocaria lá o meu dinheiro”, afirma Henrique Pedro, CEO da Up to Start, uma consultora que apoia a internacionalização de empresas, o que por vezes inclui a abertura de atividade em paraísos fiscais tidos como transparentes, como os Emirados Árabes Unidos e os Estados Unidos. “As Finanças não gostam que se coloque o dinheiro num paraíso que esteja na lista negra”, salienta. “Essas empresas não fazem um enquadramento jurídico para o cliente. Nem verificam os seus antecedentes. Aceitam qualquer um, desde que pague.”
Cerco mais apertado
Se não existirem acordos entre entre Portugal e a jurisdição onde vai colocar o seu dinheiro, pode ver a sua carga fiscal aumentada e a “otimização fiscal” vai por água abaixo. Isto presumindo que o leitor declara os seus rendimentos na offshore. Se não o fizer, pode sair-lhe muito caro. Essa é, aliás, a sua primeira obrigação enquanto contribuinte e cidadão. Tem de declarar o que ganha, dentro ou fora do país, e de pagar os seus impostos.
E, repare, há cada vez mais jurisdições a assinar acordos sobre a troca de informações fiscais com os países europeus. Incluindo a Suíça, cujo segredo bancário já não é o que foi em tempos. “Hoje em dia, os bancos suíços são supertransparentes”, diz Tiago Caiado Guerreiro.
Face aos danos reputacionais dos escândalos, muitos paraísos fiscais têm feito pelo menos declarações de intenção no sentido de mais transparência.
Com o cerco mais apertado, manter dinheiro não declarado em offshores é um risco real. Se o leitor for apanhado, acrescente aos custos da sua offshore low cost uma coima por omissão que pode ir até aos €7 500. E isso é só o início.
A seguir, as autoridades vão averiguar se há imposto a pagar e se a sua infração corresponde a uma contraordenação (vantagem patrimonial até €15 mil) ou ao crime de fraude fiscal (vantagem acima daquele valor), cuja moldura penal prevê até oito de prisão ou multa até 1 200 dias.
Ora se houve fraude fiscal, as autoridades tentarão encontrar também indícios de branqueamento de capitais. É que ninguém enterra um tesouro numa ilha sem usufruir dele. E a única maneira de fazer regressá-lo até si só pode ter sido ilícita. “Lavar” dinheiro dá direito a entre dois a 12 anos de cadeia (a metade, se se portar bem na prisão e se mostrar arrependido.
Qualquer jurista lhe dirá que o arrependimento está previsto na lei e compensa. Se confessar e pagar os impostos devidos, tem garantidas algumas atenuantes. Pode livrar-se da cadeia. Mas não das multas, juros de mora, custas judiciais e honorários de advogados.
E não pense que pode esperar por um “branqueamento” patrocinado pelo Estado, como foram os três Regimes Excecionais de Regularização Tributária, dos governos Sócrates e Passos Coelho. Com o escândalo dos Documentos do Panamá ainda quente e outros ainda por estalar, não virá tão cedo outro outro desses “perdões fiscais” que permitiram, por exemplo, a Ricardo Salgado legalizar os €14 milhões “oferecidos” pelo construtor civil José Guilherme.
O leitor está à vontade para sonhar com paraísos, com praias e coqueiros, sem economias reais. Mas se algum se deixar seduzir e morder a maçã que lhe apresentam na internet, não se queixe das consequências.