O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, disse no Parlamento que a Autoridade Tributária (AT) dispõe “dos meios necessários para atuar” sobre as mais de três dezenas de nomes de cidadãos e empresas portuguesas envolvidos nos Panama Papers que deverão ser divulgados nos próximos dias. E garantiu que o Governo vai usar todos “os mecanismos legais para tributar os patrimónios” que tenham sido escondidos em offshores para fugir aos impostos em Portugal.
Mas, que pode o Governo português fazer? Há vários mecanismos, sobre os quais a VISÃO escreveu na sua edição de 11 de fevereiro último. A partir de uma denúncia do antigo diretor geral da AT, Azevedo Pereira, sobre os valores quase irrisórios do IRS pago pelos mais afortunados – os 240 contribuintes mais ricos, com património superior a €25 milhões ou rendimento médio anual acima de €5 milhões, representam menos de 0,5% da receita de IRS arrecadada pelo Estado –, investigámos os esquemas e “alçapões” da lei que permitem escapar à mão pesada do fisco em Portugal. No mesmo trabalho, também tomámos nota das “receitas” dos fiscalistas para pôr os privilegiados a pagar mais impostos. E há muita coisa que pode – e estará – a ser feita, apesar de, só no ano passado, todos os dias terem saído de Portugal cerca de 2,4 milhões de euros em direção a um paraíso fiscal (segundo os dados do investimento em carteira do Banco de Portugal).
Quando falamos dos ricos mesmo ricos, a relação com o fisco é como um jogo do gato e do rato. A mobilidade de pessoas e de capitais, potenciada por um espaço sem fronteiras como a UE, torna fácil e barato transferir dinheiro para uma conta bancária num país comopor exemplo a Suíça, com tradição de pagar juros altos e fazer poucas perguntas. Ou para uma das cerca de 90 jurisdições internacionais conhecidas como paraísos ficais ou offshore, a maioria pertencentes aos EUA e ao Reino Unido, onde a discrição é ainda maior e onde se torna muito moroso – ou quase impossível – encontrar o dinheiro.
Abrir uma conta bancária num paraíso fiscal não é ilegal – mas é de declaração obrigatória em Portugal. E, por isso, não compensa. Quando declarada, os juros pagam uma taxa liberatória de 35%, superior em sete pontos à taxa aplicada sobre um vulgar depósito num banco nacional. O objetivo é desincentivar o recurso a offshores, onde o dinheiro facilmente “desaparece” sem deixar rasto.
Mas as coisas estão a mudar, a ritmo acelerado. Apesar das revelações chocantes contidas nos ficheiros do Panamá, os fiscalistas avisam que é cada vez mais difícil ter contas bancárias não declaradas no estrangeiro. No caso da Suíça, os bancos já comunicam aos respetivos países de origem dos clientes o montante dos juros pagos pelos depósitos a prazo. As administrações tributárias só têm de cruzar esses dados com a declaração de IRS (anexo E) dos contribuintes para apanhar os faltosos.Se o fazem ou não, é outra questão.
O ponto de viragem deu-se a seguir ao 11 de Setembro, quando os bancos instalados nos EUA passaram a ter de comunicar os movimentos realizados por cidadãos norte-americanos dentro e fora do País. A UE e a OCDE não perderam tempo e seguiram o exemplo. Entre os novos instrumentos para a troca de informação, destaca-se a Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal (CMAATM, na sigla original). A partir deste ano, a troca de informação bancária sobre saldos e rendimentos de capital (juros, dividendos, mais-valias, etc.) passa a ser automática (e não a pedido, como até agora) entre os países signatários, que são já 79. O primeiro reporte da informação será feito em setembro de 2017.
Claro que, à medida que a malha se aperta, há sempre novas formas de driblar a atenção do fisco, já que as diferenças entre planeamento fiscal agressivo e evasão fiscal são por vezes mínimas. Qual é então a solução? “Simplificação dos mecanismos fiscais e coleta mínima, para particulares e empresas”, sugeriu o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, Paulo Ralha, em declarações à VISÃO. “Se todos pagarem um valor mínimo, o Estado garante a receita e a AT pode controlar os grandes capitais e atuar”.
No Parlamento Europeu, a fuga ao fisco pelas grandes empresas também tem sido tema de debate. Em cima da mesa, está um pacote de medidas para combater o conluio entre governos e multinacionais, no seguimento do escândalo Luxleaks, que mostrou como o Governo do Luxemburgo dispensou um tratamento de favor fiscal a diversas multinacionais. Os resultados são ainda escassos mas, no seguimento da divulgação dos Panama Papers, o presidente do Eurogrupo colocou o assunto na agenda do próximo encontro dos ministros das Finanças, marcado para dia 22. Em carta dirigida ao presidente da Comissão Europeia, Jeroen Dijsselbloem solicitou informação sobre as iniciativas europeias em matéria de combate à evasão, fraude fiscal e lavagem de dinheiro. Esta iniciativa surge depois de vários países europeus, entre os quais Portugal, terem aberto investigações às empresas e cidadãos envolvidos nos milhões de documentos saídos do quarto maior escritório de advogados do Panamà envolvido em inúmeros esquemas de evasão fiscal.