Há algo de cruelmente justo nesta notícia do divórcio de Nicole Kidman e Keith Urban. Cruel, porque ninguém gosta de ver o fim de um casamento de quase 20 anos, com filhas, casas, memórias, reabilitações e tapetes vermelhos pelo meio. Justo, porque, convenhamos: Nicole Kidman nunca nasceu para ser “a esposa de”. Ela nasceu para ser Nicole Kidman, a mulher mais fotogénica que já atravessou um plano cinematográfico, a eterna babygirl (como no título do seu último filme, que lhe cola à pele) e uma atriz que se alimenta tanto da ficção que cria como dos escombros da sua vida real.
Hollywood sempre adorou colar rótulos: a “australiana gelada”, a “ex-de Tom Cruise”, a “mulher de Urban”. Só que Kidman foi sempre mais perigosa do que qualquer adjetivo arrumadinho. No ecrã, ela arde. Fora dele, parece querer ser apenas “normal”: mãe de duas adolescentes, compradora de pão em Nashville, vizinha simpática que leva o cão à rua. Mas o normal, em Nicole Kidman, nunca dura muito. A prova está aí: casamento desfeito, imprensa em polvorosa, e uma sensação de que talvez nunca tivesse jeito para a estabilidade doméstica que vendeu nas revistas.
O “casal perfeito” que afinal não era
Nicole e Keith casaram em 2006, num postal ilustrado australiano com direito a Hugh Jackman a cantar e Russell Crowe a aplaudir. Ele, estrela country em ascensão, com ares de bom rapaz saído do Tennessee. Ela, já com um Oscar no bolso (As Horas) e o trauma fresco do divórcio com Tom Cruise. Durante anos venderam-se como o “casal perfeito”: ele de mão dada no tapete vermelho, ela a dizer em entrevistas que queria envelhecer ao lado dele.

Só que perfeição em Hollywood é marketing. Na realidade, logo no primeiro ano, Urban estava em reabilitação e Kidman fazia de enfermeira da alma. O casamento sobreviveu, é certo, mas a lógica era sempre a mesma: ela empurrava a máquina para a frente, ele tentava não ficar esmagado debaixo do peso.
Nicole Kidman não pode estar casada
A verdade é esta: Kidman não pode estar casada com ninguém. Não combina. É como pôr fogo dentro de um frasco de perfume, arde bonito durante uns segundos, mas acaba por rebentar o vidro. Keith Urban sabia disso. Tom Cruise também soube, tarde demais, quando Eyes Wide Shut — prefiro o título original — deixou de ser apenas um filme e passou a metáfora de um casamento a afundar-se.
Kidman não é esposa. Kidman é arquétipo. É a mulher que mata pelo amante em Disposta a Tudo. É a viúva que acredita que um miúdo de dez anos é a reencarnação do marido morto em Birth – O Mistério. É a dona-de-casa de Dogville, que aceita humilhações até decidir vingar-se com pólvora. É a CEO frustrada de Babygirl que se deita com o estagiário. Casamento? Isso é ficção menor.
A atriz mais sensual do planeta
Digamos as coisas como são: ninguém filma como Nicole Kidman. Ela tem o rosto que nasce para o close-up, os olhos que parecem esconder um segredo e a pele que a câmara devora com uma devoção quase religiosa. Aos 57 anos, continua a ser a atriz mais sensual do cinema contemporâneo: sensualidade que não se confunde com juventude, mas com risco.

Em The Paperboy – Um Rapaz do Sul, urina em Zac Efron para o salvar de uma picada de medusa. Em Babygirl, ajoelha-se perante Harris Dickinson, 30 anos mais novo, e prova que o desejo feminino não tem prazo de validade. Antes disso, na peça The Blue Room, em Londres, despia-se no palco e obrigava críticos sisudos a escreverem frases do género “viagra teatral”. Kidman sempre foi destemida. Nunca foi elegante à maneira de Grace Kelly; foi perigosa à maneira de uma pantera que tanto se deixa acariciar como ataca sem aviso.
O fracasso inevitável da normalidade
Nashville, filhos na escola, caminhadas ao fim da tarde. Tentou, de facto, viver a normalidade com Urban. Mas entre uma rodagem em Londres e outra em Los Angeles, entre uma série da HBO e uma produção indie em Cannes, a “vida real” era sempre uma miragem. A certa altura, Urban deixou de ser o músico a quem ela salvou a vida e passou a ser o “marido de Nicole Kidman”. E isso, para um homem que já se achou a estrela maior da música country, deve doer. Quando ela beijou Alexander Skarsgård nos Emmys, frente às câmaras, Urban fez um sorriso amarelo. Quando começaram as cenas de sexo com Efron, Dickinson e afins, ele ficou ainda mais encolhido. Até que decidiu sair de cena.
Kidman livre: mais perigosa do que nunca
E agora? Agora Nicole Kidman está solteira. E isso é um problema ou melhor, é uma promessa. Porque uma Kidman sem marido é uma Kidman em estado puro. A que pode aceitar papéis ainda mais arriscados, beijar quem lhe apetecer em público e transformar a sua própria dor de divórcio em material artístico. Não duvido que a veremos em breve a interpretar mais uma dessas esposas devastadas, como em Big Little Lies ou The Perfect Couple. Só que agora haverá uma camada extra: a experiência vivida. Ela já sabe o que é o fim do “casal perfeito”.
Porque a admiramos tanto
Admiro-a porque nunca se protegeu. Porque é bela mas não tem medo de se filmar feia. Porque arrisca quando outras se escondem. Porque mesmo depois de anos a ser gozada por sotaques mal ensaiados (Grace of Monaco, alguém?), continua a voltar ao ecrã com uma fúria que deixa os críticos a morder a língua.
Nicole Kidman é maior do que os homens com quem casou. Maior do que os falhanços de bilheteira. Maior do que a imprensa cor-de-rosa que vai dissecar este divórcio. É uma atriz que fez da sensualidade uma arma política: para mostrar que mulheres de meia-idade não precisam de ser avós piedosas nem rainhas do drama respeitável. Podem ser selvagens, sexuais, perigosas.
A eterna babygirl

O casamento acabou, mas Nicole Kidman não. Pelo contrário: este divórcio devolve-nos a atriz em estado cru. Mais livre, mais vulnerável, mais perigosa. A eterna babygirl que Hollywood quis domesticar, mas que nunca caberá numa cozinha de Nashville. Keith Urban volta às canções country. Nicole Kidman volta a incendiar o ecrã. E nós, espectadores rendidos, só temos de agradecer: porque uma Kidman livre é sempre um espetáculo.