Os vestígios arqueológicos até agora identificados nos antigos terrenos da Feira Popular, em Lisboa, alguns da pré-história e outros do Império Romano, não têm importância suficiente para alterar o projeto imobiliário previsto para o local. A garantia é dada à VISÃO pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), a entidade tutelada pelo Ministério da Cultura responsável pela gestão do património cultural em Portugal continental.
“Os vestígios arqueológicos das fases de ocupação romana e pré-histórica encontram-se muito afetados, não se revestindo de relevância patrimonial que justifique a introdução de alterações ao projeto (como por exemplo a diminuição das áreas de cave) para efeitos de preservação in situ e/ou integração/musealização no futuro empreendimento”, declara a DGPC, numa resposta por escrito.
O antigo espaço de diversão popular na capital, em Entrecampos, foi adquirido em 2018 pela Fidelidade à Câmara Municipal de Lisboa (CML), a troco de 238,5 milhões de euros. Ali está projetada a construção de edifícios destinados a habitação, comércio e escritórios, incluindo a nova sede da seguradora.
Concretamente sobre as ruínas da época romana, a DGPC diz estar “confirmada a existência de uma área de caráter habitacional (que carece ainda de caracterização mais objetiva) e indiciada a possível presença de enterramentos, enquadrando desta forma as lápides funerárias recolhidas nos inícios do século XX, aquando das obras associadas à instalação do Mercado do Gado”, ressalvando, no entanto, que “os vestígios da ocupação romana encontram-se muito afetados pelas intervenções contemporâneas, revestindo-se em alguns casos de um carácter residual”.
Já quanto às descobertas do período pré-histórico, o organismo da administração central do Estado escreve o que já havia indicado à agência Lusa, no início de abril: “Disseminados por toda a área são observáveis materiais atribuíveis à pré-história recente (Neolítico Final-Calcolítico, viragem do 4.º para o 3.º milénio a.C.). Foi ainda identificada uma área de ocupação humana (junto ao topo Sul do loteamento) que de forma muito preliminar está a ser associada ao Paleolítico.”
Apesar de não lhes atribuir suficiente relevância para defender a preservação dos achados no local onde foram encontrados, a DGPC considera que “o conjunto assume uma enorme importância no panorama do conhecimento sobre a diacronia de ocupação antrópica desta área da atual cidade de Lisboa, até recentemente considerada de génese mais contemporânea”, daí ter instruído a proprietária dos terrenos aos “extensos trabalhos de escavação arqueológica em curso, visando a recolha de toda a informação disponível e tendo como objetivo último a publicação e divulgação do sítio, quer ao nível científico, quer ao nível do público em geral”.
Enquanto estes trabalhos, a cargo da própria Fidelidade, não estiverem concluídos – e ainda não é possível antecipar uma data -, a seguradora não poderá iniciar as obras do plano urbanístico propriamente dito. Não é nada que não estivesse já previsto, uma vez que, antes de a CML emitir a necessária licença de construção, a proprietária teria sempre de despistar a existência de património arqueológico no subsolo, sob o escrutínio da DGPC. Sabe-se agora que os vestígios arqueológicos ali identificados não vão parar nem alterar o projeto imobiliário conforme ele foi idealizado.
Novas imagens mostram evolução dos trabalhos desde dezembro
Nesta quarta-feira, 5, a Fidelidade já tinha dado conta, num esclarecimento à VISÃO, de que a quase totalidade dos vestígios à superfície pertenciam às épocas moderna e contemporânea, ou seja, aos séculos XVII, XVIII e XIX – nomeadamente, resquícios do Mercado do Gado de Lisboa e de quintas rurais dedicadas à agricultura, que resistiram até às primeiras décadas do século passado, como confirma a DGPC.
Ao mesmo tempo, a VISÃO divulgou as primeiras imagens das escavações, e agora surge um novo vídeo amador, captado esta semana, que mostra toda a área intervencionada, através de um ângulo privilegiado, a partir de um prédio vizinho. O vídeo abre este texto e, em baixo, uma sequência de fotografias mostra a evolução dos trabalhos ao longo dos últimos cinco meses, de 11 de dezembro a 5 de maio.