Estamos sob a Ponte 25 de Abril, ao sabor das ondas, a ver o Sailing La Vagabonde, essa espécie de Ferrari dos catamarã, aproximar-se. Já passa da hora anunciada, mas nem por isso faltam razões para celebrar. É quando Nuno Paulino, 50 anos, performer de teatro de rua, bate com mais força no bombo, e Tiago Morais, 34, sopra com todo o fôlego na gaita de foles. A condizer com o momento, o bem mais modesto Giuliana, veleiro que é nosso anfitrião durante algumas horas, leva também hasteada a Bandeira Azul, um compromisso que poucas embarcações de recreio assumiram. E tem anda pendurado no mastro um bicho a que chamaram plasticulante, instalação que simboliza esse monstro em que o plástico se tornou.
Desde madrugada cedo que navegamos rio acima, rio abaixo e nem sonhávamos ainda com o efeito inesperado daquela pequena performance. Mas eis que a tripulação por quem esperamos – Greta Thunberg, acompanhada de Riley e Elayna, os aventureiros donos da embarcação que deu boleia à jovem ativista – nos olha com surpresa, para depois nos acenar e ensaiar até um pezinho de dança, por uns segundos breves. E é naquele momento mágico que Nuno Paulino dá por cumprido o objetivo deste episódio zero do seu Artelier- Plataforma das Artes de Rua, patrocinado pela Associação Nacional de Teatro de Rua: “O projeto chama-se ‘Por mares nunca de artes navegados’ e que quer ser um centro cultural a bordo”, conta o artista, insistindo que na arte há uma estética, mas também uma ética e que o ambientalismo não é só dos ativistas. “A questão é: não me sentiria bem se, perante toda esta emergência climática, não fizesse nada.”
A sua última criação, que o levou ao deserto do Nevada e ao festival Burning Man, em agosto passado, já dera sinais dessa vontade de agir. Chamava-se O Nome da Rosa e simbolizava uma rosa dos ventos que apontava em todas as direções. “É como a nossa vida. Sabemos que há uma multiplicidade de caminhos. Podemos sempre escolher um novo rumo”, acrescenta ainda o comandante deste Giuliana, para quem agora é tempo de dar primazia ao mar, que é uma inspiração, mas também uma esperança e um desgnio. “Se a arte tem uma estética e uma ética, e se a água, a paisagem e o ambiente marinho são os recursos do novo projeto, então fazia todo o sentido celebrar este dia zero com chegada ao Tejo dos navegadores oceânicos do La Vagabonde”, remata.
Há cinco anos a bordo daquele catamaran ecológico, a mostrar como se vive com muito pouco e de forma sustentável a milhões de subscritores do seu canal de Youtube, Riley e Elayna têm um modo de vida que também acabaria por encaixar na perfeição nas exigências de Greta Thunberg, quando esta pediu boleia para atravessar de novo o Atlântico, de regresso à Europa. “O importante é todos compreenderem a mensagem simbólica: não estamos a ganhar esta batalha e precisamos de o fazer”, havia de repetir a jovem ativista, pouco depois de desembarcar no cais da Doca de Santo Amaro.
Lá esperava-a uma receção improvisada, ao som do grito de guerra dos ativistas – “Greta’s choice is our choice” (a expressão inglesa para dizer que “a escolha de Greta também é a nossa”) – e do sorriso de Fernando Medina, o presidente da Câmara de Lisboa, que, depois de lhe dar as boas-vindas, lhe segurou no cartaz que a acompanha há mais de um ano, ainda a revolta de uma menina só não se tinha transformado num movimento à escala global. Nada que o tenha embaraçado, afinal o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Matos Fernandes, já agradecera à jovem sueca o seu ativismo, num mail enviado na semana passada. E pouco depois também o Papa revelou estar rendido a esta nova geração: “Desviaram o olhar do telemóvel e arregaçaram as mangas.” Revelando que, afinal, vai ficar por Portugal mais uns dias, Greta Thunberg garantiu perante aquela multidão que a esperava que não baixa os braços e que esta “aventura pelo clima” é para continuar. Uma mensagem para Madrid, onde decorre já a 25.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Não tardará nada e aí vai ela.