É ao som da frase “this is what this is”, numa encomenda sonora feita a Luísa Cunha, que se atravessa o corredor-ponte entre o museu e a nova Ala Álvaro Siza. “Uma boa forma de entrarmos na exposição, porque a Coleção de Serralves é o que é”, sublinha o diretor do Museu de Arte Contemporânea, Philippe Vergne, enquanto enaltece o facto de Anagramas Improvavéis – que ocupa todo o piso 1 do novo edifício desenhado por Álvaro Siza, com mais de 160 obras – se iniciar com “uma artista portuguesa”. Sem preocupação cronológica, a primeira mostra da Coleção de Serralves, que se junta a C.A.S.A. no piso 0, dedicada ao próprio arquiteto, propõe “diálogos improváveis entre artistas que talvez não tenham tido oportunidade de se conhecer uns aos outros”, facilitados pela arquitetura de dezenas de salas onde uma caixa de luz irrompe do teto ou da janela. “Ter uma coleção permanente não é o mesmo que expor uma coleção que roda, roda, roda. Ele [Álvaro Siza] entendeu isso muito bem e criou espaços flexíveis”, nota o diretor e um dos curadores desta exposição, cujo título parte da relação com a linguagem de artistas como Ana Hatherly e E. M. de Melo e Castro.
Em cada sala, cruzam-se obras de dois ou mais autores, desde meados dos anos 60 do século passado até aos dias de hoje, com algumas das mais recentes aquisições, caso dos trabalhos de Alexandre Estrela, Arthur Jafa, João Pedro Vale & Nuno Alexandre Ferreira, João Maria Gusmão & Pedro Paiva, Juliana Huxtable, Korakrit Arunanondchai, Zanele Muholi e de Martine Syms, cujas impressões em vinil sobre a saturação das imagens digitais, Misdirected Kiss, forram de cima a baixo a parede da sala onde Siza rasgou um triângulo com vista para o parque. Pedro Cabrita Reis dialoga com desenhos recentes de Julie Mehretu, Ana Jotta com Ângelo de Sousa, Lourdes Castro com Joan Jonas, Miroslaw Balka com Paulo Nozolino, Paula Rego (as sete telas Possessão I-VII) com Julião Sarmento, ou, entre muitos outros, Álvaro Lapa com Giovanni Anselmo, que se reencontram frente a frente depois de Circa 1968, a exposição inaugural do Museu de Serralves (1999) “considerada a Bíblia”, sublinha Phillipe Vergne, e sobre a qual é prestado “um tributo” numa sala coletiva com Helena Almeida, Ana Hatherly ou António Barros.
As (muitas) casas de Siza
A obra de Philippe Parreno (um piano que toca ao ritmo de luzes e balões em forma de peixe) leva-nos ao piso dedicado à arquitetura e à obra de Siza Vieira. É dele, aliás, que veremos três autorretratos de diferentes épocas nas três entradas possíveis de C.A.S.A., acrónimo de Coleção Álvaro Siza, Arquivo. Dividida em nove grandes temas (o número evoca os 90 anos do arquiteto), esta gigantesca exposição é uma viagem à obra e à vida do primeiro Pritzker português. “Se alinhássemos todos os trabalhos, teríamos um quilómetro”, diz António Choupina, arquiteto e curador desta mostra que pretende “tocar um público mais largo, que nem sempre vê exposições de arquitetura”.
Além dos nove núcleos (Casas de Família, do Povo, de Lazer, do Conhecimento, do Comércio, do Trabalho, da Fé, da Cultura, dos Artistas), há um dedicado à própria Fundação de Serralves, Voltar a Casa. A maioria deste acervo vem, aliás, do Arquivo de Serralves, no qual o arquiteto depositou parte do seu trabalho de décadas, em conjunto com a Fundação Calouste Gulbenkian e o Centro Canadiano de Arquitetura. “É a primeira grande exposição a partir do arquivo”, sublinha Choupina. As restantes obras pertencem à Coleção de Serralves, como os primeiros desenhos e aguarelas feitos pelo arquiteto nos anos 40-50, à guarda da irmã, Teresa Siza (aqui depositados desde 2021), além de uma centena de desenhos mais tardios de Álvaro Siza, de 1980 a 2010. Das Quatro Casas (1954-60), em Matosinhos, ao primeiro arranha-céus de Álvaro Siza em Nova Iorque acabado de construir (611 West 56th Street), percorrem-se obras de Siza em todo o mundo, com vários projetos não construídos pelo meio, desde os primeiros esboços a maquetas finais apresentadas sobre pedestais de metal espelhado. “O arquiteto Álvaro Siza é de uma modéstia tal que era incapaz de colocar a sua arquitetura num pedestal. Coloquei-a eu por ele”, explica António Choupina.
Anagramas Improváveis – Obras da Coleção de Serralves e C.A.S.A. Coleção Álvaro Siza, Arquivo > Museu de Arte Contemporânea de Serralves > R. D. João de Castro, 210, Porto > até agosto, seg-sex 10h-18h, sáb-dom e fer 10h-19h > €12 > serralves.pt