
Nos documentários Vizinhos, Álvaro Siza Vieira regressa a alguns dos edifícios que desenhou
Lucília Monteiro
Estamos cientes de que este texto está na zona da revista onde normalmente se arrumam as prosas sobre televisão. Mas as linhas que a seguir se escrevem são muito mais do que isso. E começam a montante, com um convite à jornalista da SIC Cândida Pinto, por parte dos dois arquitetos curadores da Bienal de Veneza (Nuno Grande e Roberto Cremascoli), para dar forma ao projeto centrado no trabalho de habitação social de Siza Vieira. Continua depois com o trabalho de campo para dar corpo a quatro documentários de 35 minutos, em que o arquiteto vencedor do prémio Pritzker revisita os bairros por ele desenhados na década de oitenta. E isso fez com que Siza, de 82 anos, e uma equipa de televisão, andassem pelo bairro da Bouça, no Porto, na ilha da Giudecca, em Veneza, no Schilderswijk, em Haia, e no edifício Bonjour Tristesse, perto do antigo muro de Berlim. E entrassem em casas traçadas em tempos no papel e conhecessem alguns dos seus moradores. As histórias, dos bairros e das pessoas, são de uma riqueza enorme.
A simplicidade do arquiteto super star, que em Berlim até foi reconhecido na rua, é a chave para a beleza de Vizinhos, estes quatro episódios que estarão em exposição no pavilhão de Portugal durante os seis meses da Bienal. Além da maestria em encontrar casos emblemáticos que nos fazem ir do riso à tristeza num ápice e com quem Siza dialoga com naturalidade, entre cigarros, cafés e caderninhos onde está constantemente a desenhar (“o desenho é uma espécie de libertação”, ouve-se esta confissão, a certa altura).
Numa sala de montagem da SIC, Cândida Pinto e Marco Carrasqueira reveem mais uma vez o produto quase final, mas ainda não estão fartos de ver os quatro documentários, já legendados em inglês para a Bienal, que passarão na SIC Notícias nos dias 28 e 29 de maio e 4 e 5 de junho. “Retenho o gozo que Siza sentiu ao revisitar aqueles sítios, em ver o estado de conservação dos edifícios e sentir como as pessoas habitam as suas obras”, nota a jornalista, que contou com Rodrigo Lobo para a captação de imagens.
Ouve-se falar da luz em todas as línguas (existem sempre grandes janelas). Há habitantes turcos em família, um sírio completamente sozinho, um casal de angolanos, uma casa portuense com uns inquilinos impagáveis, arquitetos alemães que escolheram viver num prédio todo grafitado só por causa da assinatura do projeto, estudantes de Barcelona que precisam de ver o seu ídolo, e até holandeses excêntricos que fumam cachimbo. Isto tudo ao som de uma banda sonora criada por João Bruno Soeiro, um português a viver em Moscovo. Mais as frases lapidares de Siza acerca da importância da sua atividade: “Não quero que a arquitetura seja considerada um luxo, mas um benefício para toda a gente.”
Em cada documentário há, em primeiro lugar, um enquadramento da cidade (Porto, Haia, Veneza ou Berlim). Só depois se entra no bairro social. É com recurso a um grafismo simples que se vai contextualizando a história dos edifícios desenhados por Siza Vieira. Em Veneza houve uma parte do prédio e um jardim que nunca acabaram de ser construídos. O pavilhão de Portugal estará instalado aí e já há a certeza de que, finda a Bienal, a obra será terminada.
Vizinhos > 28-29 mai, sáb-dom 16h; 4-5 jun, sáb-dom 16h
Veja aqui excertos dos primeiros documentários