Vinhos, surf e gastronomia no Oeste: Roteiro pelo que há de melhor na região

Vinhos, surf e gastronomia no Oeste: Roteiro pelo que há de melhor na região

O dia amanhece farrusco, mas tal não impede que se aproveitem as áreas exteriores da Noah Surf House, de frente para a Praia da Física, um dos areais da região Oeste, no concelho de Torres Vedras. Enquanto uns aproveitam as cadeiras de frente para o mar, outros leem numa zona recatada deitados nos bancos de madeira, e há ainda crianças a brincar no skate park.

Terraço da Noah Sur House na Praia da Física

Independentemente do tempo, nesta unidade hoteleira de oito quartos e 13 bungalows, “haverá sempre o que fazer, seja um adulto ou uma criança”, diz-nos Gonçalo Alves, mentor deste projeto de portas abertas desde o verão de 2018. “O surf é mais do que um desporto, é um estilo de vida e as pessoas chegam aqui por isso mesmo, porque gostam do conceito da Noah, que assenta no turismo ativo com várias atividades disponíveis direcionadas para as várias faixas etárias”, garante Gonçalo.

Basta passar um par de horas por aqui para perceber que há muitas famílias e que todos têm com o que se entreter, desde sessões de ioga ou Pilates a workshops (seja para pintar um mural ou fazer salame de chocolate), aulas de skate e, claro, de surf. “Já existia o Areias do Seixo, um hotel mais ao estilo hippie chic junto à Praia do Seixo, aqui na Física celebramos o mar e esta relação intensa com a orla costeira que se vive na região.”

Gonçalo Alves abriu a Noah Surf House na Praia da Física, com um restaurante também para não hóspedes. Organizam aulas de surf, entre outras atividades para toda a família

Filho da terra e surfista, Gonçalo e Marta Fonseca, criaram este porto de abrigo decorado com peças recicladas, aproveitando materiais e objetos como antigas armadilhas para polvos, parte de um barco, baldes que se transformaram em luminárias e uma mesa de carpinteiro convertida na mesa de DJ no terraço, um dos espaços abertos a não hóspedes, a par do restaurante com uma carta que surpreende. Seja a entrada de pasta de grão com espinafres e especiarias, o pica-pau de peixe e plantas do mar ou os chocos grelhados, batata assada, azeitona e cebolas caramelizadas, as sugestões têm todas muita textura, cor e sabor.

Ondas para iniciantes

Local de romaria para quem gosta de surfar, a zona Oeste tanto atrai às suas praias surfistas profissionais como amadores. Por ocasião da visita da VISÃO, é Nuno Silva, 43 anos, o instrutor de serviço no Noah. À sua guarda leva dois hóspedes, o holandês Michel e o austríaco Georg, que ali deixam as mulheres e os filhos para se aventurarem numa primeira aula deste desporto de ondas. “Quem aprende a fazer surf em Santa Cruz surfa em qualquer lado”, afirma Nuno durante o briefing desta aula, que pelas condições meteorológicas nos há de levar numa espécie de tour pela costa à procura de ondas e do local certo para esta iniciação.

Local de romaria para quem gosta de surfar, a zona Oeste tanto atrai às suas praias surfistas profissionais como amadores. Na foto, Nuno Silva, 43 anos, o instrutor de serviço na Noah Surf House

Da Praia da Física vamos parar a Peniche – não a Supertubos nem ao Baleal, mas ao areal do Cerro. Já equipados com os fatos e de prancha na mão, Michel e Georg ouvem as últimas instruções e fazem o aquecimento. Entram pela primeira vez na água já com chuva miudinha a cair e o nevoeiro a chegar, mas tal não os esmorece e hão de manter-se entusiasmados.

Os passadiços da Praia Azul, junto à foz do Sizandro

Nesta costa atlântica, a cerca de 45 minutos de Lisboa, também se pratica bodyboard, kitesurf, windsurf e ainda parapente, a partir do alto de algumas falésias, como as existentes na Praia Azul. Neste areal, quase no limite sul do concelho de Torres Vedras, foi construído um passadiço onde há quem faça caminhadas enquanto outros observam a vizinha foz do Sizandro, as dunas e o mar.

Vinha a perder de vista

Além dos moinhos, também a vinha marca a paisagem da região. Com cerca de 7 000 hectares plantados no território, três adegas cooperativas e vários produtores, o vinho apresenta-se como um bom motivo para rumar a Oeste.

A vinha marca a paisagem da região, com cerca de 7 000 hectares plantados no território

Madalena Lacerda, responsável pelo enoturismo, recebe os visitantes na Quinta da Boa Esperança, na Zibreira. A história desta propriedade – onde há, por agora, 9,3 hectares de vinha (em breve serão 12) – remonta a 1914, data da primeira adega (uma segunda foi construída em 1927). Mais de um século depois, é nas mãos do casal Artur Gama e Eva Moura Guedes que prospera a produzir vinhos salinos, frescos e minerais, fruto de uma conjugação de fatores: solos argilo-calcários, boa exposição solar, vento e influência atlântica.

A Quinta da Boa Esperança, na Zibreira, convida a visitas, provas e refeições, onde a cozinha “de casa”, com pratos como a tarte de perdiz ou a vitela estufada com ervilhas, faz a maridagem perfeita com os vinhos aqui produzidos

O projeto de enoturismo iniciado em 2019 convida a visitas, provas e refeições, onde a cozinha “de casa”, com pratos como a tarte de perdiz ou a vitela estufada com ervilhas, faz a maridagem perfeita com os vinhos produzidos. Prevista está ainda a abertura de um pequeno boutique hotel com sete quartos, mas tal só deverá acontecer daqui a um par de anos. “Apostamos em propostas diferenciadoras com foco em quem nos procura”, explica Madalena, cuja forma descomplicada e criativa como fala sobre os vinhos da casa e as suas características facilita o envolvimento de quem quer conhecer este projeto. As visitas começam na adega e terminam na sala de prova, instalada na adega de 1914, com uma lareira que aconchega nos dias mais frios e uma grande janela que traz a Natureza e a vinha para dentro de casa.

Muito diferente é a visita à Adega Cooperativa de São Mamede da Ventosa, fundada em 1956 e a maior do território nacional. Aliás, são os números que impressionam logo, assim que o enólogo responsável, João Rodrigues, dá as primeiras explicações. “São 420 sócios com 2 200 hectares de vinha. Em 2023, recebemos 28 milhões de quilos de uva, a maior produção dos últimos 20 anos, que deram origem a cerca de 22 milhões de litros de vinho.”

Os vinhos da Adega Cooperativa de São Mamede da Ventosa, a maior do território nacional. São 420 sócios com 2 200 hectares de vinha

A visita prossegue já com as máquinas paradas e com João a apontar para aquela que debita nove mil pacotes por hora, a maioria para exportação. As instalações da cooperativa estão divididas em dois polos, um onde se vinificam os tintos de gama superior e outro onde se fazem tintos, brancos e rosés. É no exterior desta zona que se encontram cubas gigantes de inox cuja capacidade é muito difícil de percecionar, mas o enólogo ajuda. “Temos três de um milhão de litros, duas de meio milhão e mais 24 de 400 mil litros.” E isto é só o que vemos aqui. No outro lado, empoleirados numa estrutura que atravessa a adega dos tintos de gama superior, havemos de observar mais cubas de inox e a sala de estágio onde estão as barricas.

“Os vinhos que produzimos são para consumo nacional e exportação, e engarrafados com várias marcas.” Para tal, recorrem a diversas castas, como Fernão-Pires, Moscatel, Viosinho ou Seara-Nova, para os brancos, e Castelão, Marselan ou Caladoc, para os tintos. Um dos últimos lançamentos foi precisamente um monocasta Caladoc, um tinto gastronómico com seis meses de estágio em barrica de carvalho português, bom para acompanhar queijos e carnes. Na Adega Cooperativa de São Mamede da Ventosa, há vinhos para todos os gostos, que se encontram à venda na loja, com porta independente e aberta diretamente para a rua.

De feijão se faz um doce

Os pastéis de feijão de Torres Vedras são um ex libris da cidade. Esta iguaria doce, de tom dourado, apresenta-se nas montras de várias pastelarias e lojas de Torres Vedras, embrulhada em papel fino impresso com as referências do produtor. Um dos mais antigos é a Fábrica Coroa, fundada em 1940, que vamos encontrar meio escondida na Praça 25 de Abril. Para que não falhe na morada, deixamos uma indicação: se tiver a Igreja e Convento da Graça e o Museu Municipal Leonel Trindade nas suas costas, fica do lado esquerdo, numa casa de traça antiga. “Da localização inicial na casa do fundador, Virgílio Simões, também no centro da cidade, mudou-se para aqui, em 1975, quando ficou nas mãos de duas funcionárias”, contam-nos os atuais proprietários, Nuno Correia e a mulher, Célia Carvalho.

O pastel de feijão de Torres Vedras na Fábrica Coroa

Na Fábrica Coroa produzem-se cerca de 100 dúzias diárias desta especialidade doce com IG – Indicação Geográfica, confecionada com feijão-branco, açúcar, amêndoa e gema de ovo. “O processo de fabrico é todo manual, da demolha do feijão ao embalamento, o que entre as várias tarefas demora até três dias”, explica o casal. “É gratificante perceber que há pessoas que vêm de longe, de diversos pontos do País, para comprar e comer os nossos pastéis e que há várias gerações de famílias com memórias da Coroa”, diz Célia.

A unidade custa €1,20, mas o melhor é levar, pelo menos, uma caixa com meia dúzia (€6,50), assim faz a grande maioria dos clientes da Coroa, sobretudo quem chega de fora guiado pelo pecado da gula, aqui satisfeito pelos proprietários, sempre de sorriso aberto.

Produtos da região à mesa

Da Fábrica Coroa, chegamos, em poucos minutos, ao Napoleão Taberna ou, como diz a proprietária, Inês Mourão, “a sua sala de casa”. Antiga engenheira de sistemas com gosto pela cozinha, abriu este restaurante há sete anos numa das ruas pedonais do centro de Torres Vedras, no rés-do-chão de um prédio habitacional que remodelou para o efeito.

O Napoleão Taberna, em Torres Vedras, serve uma boa sopa de legumes sem batata, várias preparações de ovos (com espargos ou tomate), bife à portuguesa à antiga, uma feijoada ou bochechas de porco

Todos os dias, Inês vai ao mercado para servir o produto mais fresco possível numa carta com poucos pratos fixos, mas onde se pode contar com uma sopa de legumes “sem batata”, várias preparações de ovos (podem ser com espargos ou tomate) e bife à portuguesa à antiga, “um lombo macio com ovo a cavalo e molhinho”, descreve. Depois, há sugestões diárias, “desde uma corvina no forno a iscas, uma boa feijoada, bacalhau cozido com couves ou umas bochechas de porco”.

No Napoleão, provam-se ainda outras propostas consoante a época, como, por exemplo, o atum de barrica, servido entre setembro e novembro. “É um prato daqui feito com atum conservado em salmoura, como se faz com o bacalhau. Depois de demolhado, é cozido entre folhas de couve, e serve-se com cebolas, couves (que não são as da cozedura do atum) e batatas cozidas, de preferência batata raiz de cana, muito usada na região”, explica Inês.

Nos anos em que se realiza o Festival Novas Invasões (é bienal), há um menu de época com pudim de castanha e galinha mourisca (guisada e servida com fatias de pão e ovo escalfado). Trata-se de especialidades inspiradas na cozinha oitocentista que remetem para as invasões napoleónicas e as Linhas de Torres, e que podem ser provadas também por encomenda em ocasiões especiais. Aliás, estando em Torres Vedras, o visitante deve incluir no roteiro alguns equipamentos culturais, como o Centro de Interpretação das Linhas de Torres, o Museu do Ciclismo Joaquim Agostinho e o Centro de Artes e Criatividade, dedicado ao Carnaval.

O Moinho dos Caixeiros – Casa do Pão mantém-se em atividade, produzindo a farinha em mó de pedra com que se faz o pão cozido no forno de lenha, à venda no café

Numa paisagem pontuada por moinhos de vento, daqui não vamos embora sem visitar um. Percorrendo a Estrada Nacional 247, na freguesia da Silveira, vamos encontrar um antigo exemplar de moinho de várzea ainda em funcionamento. Chama-se Moinho dos Caixeiros – Casa do Pão e mantém-se em atividade, produzindo a farinha em mó de pedra com que se faz o pão cozido no forno de lenha, à venda no café. Há quem venha pelo pão com chouriço, pelas broas ou simplesmente para ver como ainda se faz o trabalho de moleiro, tradição que se perpetua nesta região entre o mar e o campo, com tanto para explorar.

GUIA DE VIAGEM

VER

Museu do Ciclismo Joaquim Agostinho Dedicado à promoção do ciclismo e à preservação da memória de um dos maiores ciclistas portugueses, o torriense Joaquim Agostinho. Bairro Arenes, Hipólito Center Park, fração G, Torres Vedras > T. 261 320 740 > ter-dom 10h-13h, 14h-18h > €2

Centro de Artes e Criatividade Instalado no antigo Matadouro Municipal, dá a conhecer as múltiplas expressões do Carnaval de Torres Vedras. R. Leonel Trindade, Torres Vedras > T. 261 067 600 > ter-dom 10h-18h > €5

Centro de Interpretação das Linhas de Torres Contextualiza a História e interpreta as estruturas militares do sistema defensivo das Linhas de Torres, construídas durante a terceira invasão francesa. Forte de S. Vicente, R. do Forte de S. Vicente, Torres Vedras > T. 261 320 754 > ter-dom 10h-13h, 14h-18h

VISITAR

Quinta da Boa Esperança R. da Moita, Zibreira, Carvoeira, Torres Vedras > T. 261 742 044 > seg-sex 9h-18h > provas a partir de €22

Adega Cooperativa de São Mamede da Ventosa Av. 10 de Junho, 8, Arneiros, Torres Vedras > T. 261 951 182 > loja: ter-sáb 10h-13h, 14h-19h > visitas sob marcação

COMER

Fábrica Coroa Pç. 25 de Abril, 11A, Torres Vedras > T. 261 323 494 > seg-sáb 9h-19h30, dom 9h-13h, 14h30-18h30

Napoleão Taberna R. Paiva de Andrada, 9A R/C, Torres Vedras > T. 261 312 062 > seg-sex 12h30-15h, 19h-22h30, sáb-dom por marcação, min. 15 pessoas

Moinho dos Caixeiros – Casa do Pão R. do Moinho, Caixeiros, Torres Vedras > seg–dom 8h-20h

DORMIR

Dolce by Wyndham CampoReal Lisboa R. do Campo, Turcifal, Torres Vedras > T. 261 960 900 > a partir de €166

Noah Surf House Av. do Atlântico, 2A, A-Dos-Cunhados, Torres Vedras > T. 261 936 360 > a partir de €185 > restaurante seg-dom 12h30-22h (hóspedes); 12h30–15h30, 18h30-22h (não hóspedes) > rooftop seg-dom 17h-22h (mai-out)

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