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No Lux, as matinés começaram com a festa Loving the Alien, em homenagem a David Bowie, em janeiro do ano passado
Luís Martins
Corria o boato de que a própria homenageada iria aparecer para dar um mini e quase exclusivo concerto, ali mesmo, por cima do Tejo e dos barcos de cruzeiro. Ou que outra razão haveria para o Lux evocar Grace Jones, logo à entrada com uma enorme fotografia do rosto da cantora, na sua quarta matiné de domingo? Bem sabemos que a jamaicana é uma excelente fonte de inspiração para o desafio “Grace yourself”, lançado na página do Facebook e que convocou os seus clientes habituais para dia 19 de fevereiro, das seis da tarde à meia- -noite. E que ela tem tudo a ver com o momento que vivemos, fundindo, numa só personagem, as questões da cor da pele, do género, do exotismo e da performance.
A cantora não apareceu em Lisboa, em Santa Apolónia. Na sua vez, uma multidão de Graces Jones, vestida de calças e blazer preto, de assinatura Dino Alves, com máscaras de tez escura e óculos de sol, desceu pela escadaria que dá acesso ao terraço, até ao piso intermédio. Lá atrás, ninguém sabia, mas estava Manuel Reis, o mítico dono do Lux e do Rive-Rouge, que nunca se descai para falar à Imprensa. Nem quando o apanhamos a dançar, no cúmulo da sua discrição, num dos cantos da sala, depois do concerto que os cantores Kalaf e Selma Uamusse deram, secundados pelo Godspell Collective, num nunca acabar de versões da música Slave to the Rhythm.
Junto ao palco, encontramos Sandra Alvarez, 42 anos, à paisana. Optou por não se transformar em Grace Jones, pondo, por exemplo, um pano preto a cobrir-lhe os cabelos. Apesar disso, pode escrever no seu currículo que foi assídua, nem tanto pontual, a todos os programas de domingo à tarde, organizados pela discoteca Lux e pelo seu irmão mais novo do Mercado da Ribeira, o Rive-Rouge. A ideia, que surgiu no seguimento da morte de David Bowie, fez em janeiro um ano, foi genial: “Este tipo de festas afasta aquelas pessoas que saem só por sair, à sexta e ao sábado. Aqui vem quem se sente bem neste ambiente, a ouvir estas músicas e trajado a rigor. E ainda se volta para casa antes da meia-noite.” Bebamos a isso
– que, num inglês let’s drink to that, soa muito melhor.
Quando tudo acabava com um “slow”
O Rive-Rouge, que fica no primeiro piso do Mercado da Ribeira, mergulhado numa permanente luz vermelha, vai pelo mesmo caminho. Abriu em novembro, já organizou três matinés (com a radialista Inês Meneses e com o cineasta João Botelho). É um dia em que as pessoas são muito recetivas, diz–nos Manuel Reis, enquanto pede para não falar mais. Respeitemos então o seu silêncio, mas antes deixemos aqui escrito que, a haver outra festa ao final da tarde de domingo, será sempre para homenagear os artistas vivos e não depois de mortos, como foi o caso de Grace Jones. Aguardemos, pois lá pelo Lux são muito atentos aos seus habitués, que adoram mascarar-se consoante a deixa (Loving the Alien, “Bowie yourself”; a propósito do quadro de Domingos Sequeira, “Como se Queira”; nos dez anos do programa Fala com Ela, de preto e branco).
Em meados da década de 80 do século passado, havia matinés todas as semanas. Mas as diferenças eram muitas. “Tratou-se de um movimento social e urbano que marcou muito a vida dos jovens daquela época, em que se deu a afirmação da cultura juvenil”, nota Joana Stichini, 37 anos, autora do livro LX80. É na página que titula A tarde é a nova noite que lemos: “Pode não ser possível saber quantos primeiros beijos houve nas matinés do Loucuras, ao Rato, mas apostamos que a maior parte aconteceu durante o slow final pouco antes das oito da noite.” Além do enorme Loucuras, os sítios em Lisboa floresceram à medida que a procura aumentava – Crazy Nights, Pathé, Lido, Voxmania. A música, essa, variava apenas ao sabor dos êxitos do momento, como Just Can’t Get Enough, dos Depeche Mode, Power of Love, de Jennifer Rush ou Sweet Dreams,
dos Eurythmics.Esta moda passou quando os adolescentes que enchiam as pistas, no meio de um fumo lançado por máquinas e sob bolas de espelhos, deixaram de ir dançar à tarde para sair à noite. As discotecas, ou danceterias como se dizia na altura, que abriram pela mão de gente do mundo da comunicação como Carlos Cruz, Júlio Isidro ou José Nuno Martins, morreram. E, com elas, as tardes bem passadas a dançar.
![Fuse 6.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/10512844Fuse-6.jpg)
“Quisemos reabilitar o conceito dos anos 80. Para as pessoas mais velhas, este horário é mais saudável”, comenta Luís Batista, da Fuse, uma editora de música eletrónica que também organiza matinés
Uma bolacha em forma de Bowie
Entretanto, esses adolescentes cresceram, juntaram-se, aninharam-se, e deixaram de sair à noite. O bichinho continuou lá e a vontade de dançar não se apagou com simples gesto num interruptor. E foi por isso que a Bloop Records, uma editora de música eletrónica, regressou às festas à tarde, em 2010, num horário fixo, das três às dez da noite, em sítios inusitados (piscinas vazias, barcos, autocarros). Até porque a moda já estava instalada nas principais capitais europeias. “Queríamos fugir dos paraquedistas.
À noite toda a gente sai, mas quem vem às nossas festas sabe que são para dançar o nosso estilo de música”, explica Luís Costa, 40 anos, que, quando está a pôr discos, dá pelo nome de Magazino. A coisa começou com
70 a 80 entusiastas. Hoje, as festas mais ou menos mensais – propagandeadas nas redes sociais e sem que o local
onde vão acontecer seja divulgado
– esgotam vários dias antes de as portas se abrirem para a farra (custam
15 euros), e juntam centenas de pessoas. A maioria tem mais de 25 anos e a sua aparência é descontraída. E já sabem que a festa tem sempre uma zona de luz natural, para que se vejam como deve ser. Depois, é dançar durante horas, ao som da música ao gosto do coletivo de artistas da editora e ainda de convidados internacionais.
A receita da Fuse, outra editora de música eletrónica, é muito semelhante. “Sentimos que o mercado da noite está saturado e que a filosofia de matiné faz todo o sentido”, explica Luís Batista, 35 anos, um dos sócios-fundadores. Organizam cerca de 15 festas por ano e só a da passagem de ano é à noite, por razões óbvias. Costumam juntar entre 800 a mil pessoas, que, depois de pagarem 15 euros (com direito a uma bebida), dançam, em comunhão, das três da tarde à meia-noite, numa qualquer off location (um sítio que é inesperado). A última aconteceu no mês passado, nas caves do histórico Liceu Camões, em Lisboa, e a próxima será no piso intermédio da discoteca Main, em Santos. Quando celebrarem o aniversário, em junho, a apoteose será no anfiteatro em pedra do Instituto de Agronomia, na Tapada da Ajuda.
“Quisemos reabilitar o conceito dos anos 80. Para as pessoas mais velhas, este horário é muito mais saudável. Divertem-se e dançam na mesma mas, como vão cedo para casa, no dia seguinte acordam a horas normais e não passam o domingo a dormir”, nota Luís. Até porque 70% dos clientes destas festas têm entre 28 e 35 anos e já trabalham.
Pelo meio de mais um passo de dança, que afinal parece ser o motor para nos juntarmos em qualquer matiné, há sempre os copos, que podem ser mais ou menos premium. E se a fome apertar, porque o horário pode dar azo a que o estômago se manifeste, resta-nos enganá-la, por exemplo, com umas bolachinhas em forma de David Bowie, ou com uns chupas de chocolate coloridos, que são distribuídos aos mais resistentes, pelos empregados do Lux, sempre trajados a rigor, de acordo com o mote da festa. Voltemos para a pista, porque ainda são só dez da noite, apesar de, ao nosso corpo, parecerem três da manhã.
![Bloop Foto_10_Years_Bloop_Lisboa.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/10512852Bloop-Foto_10_Years_Bloop_Lisboa.jpg)
Desde 2010 que a editora Bloop Records organiza festas, das três da tarde às dez da noite, em sítios invulgares: piscinas sem água, barcos, autocarros…