Quando tinha apenas 15 anos, em 1986, Charlotte Gainsbourg gravou um disco inteiro, Charlotte For Ever, integralmente composto para a sua voz pelo pai, Serge Gainsbourg (1928-1991). Tem um lugar único na sua discografia e, na verdade, pertence mais ao currículo musical de Serge do que de Charlotte (e está longe de ser o seu melhor).
Só 20 anos depois, em 2006, como se não pudesse fugir a um caminho desenhado nas estrelas, Charlotte volta a assinar um álbum em seu nome (5:55). Seguir-se-iam IRM (2009) e Stage Whisper (2011). Uma constante na sua carreira musical (paralela ao percurso como atriz) tem sido a escolha criteriosa de parcerias e colaboradores. Nigel Godrich (produtor associado aos discos dos Radiohead), os franceses Air, Jarvis Cocker (Pulp) e Neil Hannon (The Divine Comedy) estavam todos no primeiro disco. A partir de IRM é Beck quem passa a marcar a sua sonoridade. Mas Charlotte conseguiu, com essas boas e marcantes companhias, construir uma identidade forte, uma voz, só sua, híbrido da herança francesa do pai e inglesa da mãe (Jane Birkin).
O nome do novo disco, e da sua sexta faixa, Rest, presta-se a uma polissemia nas duas línguas: “rest” no sentido inglês de “descansar” e “reste” no sentido francês de “ficar”. Os novos cúmplices musicais são Guy-Manuel de Homem-Christo (uma das metades, de origem portuguesa, dos Daft Punk), o produtor SebastiAn e… nada menos que um beatle, Paul McCartney que ofereceu a Charlotte a canção Songbird in a Cage (onde participa tocando guitarra, piano, bateria e baixo…).
Mantendo o seu estilo, Charlotte nunca foi tão Gainsbourg. Os primeiros acordes de Kate (homenagem à sua meia irmã, a fotógrafa Kate Barry que morreu em 2013) parecem mesmo anunciar a entrada em cena da voz do velho Serge (que imaginamos orgulhoso com este trabalho da filha). Ao mesmo tempo, Charlotte parece piscar o olho, mais do que nunca, a um certo mainstream contemporâneo, com sabor retro disco, em Sylvia Says.
No vídeo do tema Lying With You, uma das onze novas canções de Rest, Charlotte Gainsbourg regressa (e leva-nos com ela) ao interior da casa fechada de Serge Gainsbourg, na Rue Venreuil, em Paris. Veja aqui: