Bem sabemos que a localização do Hotel Bela Vista, em cima da Praia da Rocha, pode parecer imbatível. E por muito que tragam a comida do Vista até à capital, ela nunca saberá a maresia como naquele sítio privilegiado sobre a costa algarvia.
Mas temos de dizer que a casa escolhida para receber os 20 sortudos que vieram a este resumo do Algarve, junto à igreja de São Mamede, em Lisboa, não fica nada atrás em charme. Um charme citadino, é certo, mas ao mesmo nível do restaurante algarvio.
Deixemos que os olhos se desviem do painel de azulejos do pátio e das obras de arte nas paredes para se fixarem nos pratos que vão chegando à mesa. O jantar está prestes a começar e temos cinco etapas para viajar até ao Sul. O Vista esteve fechado três meses, mas abre agora, a 11 de março, cheio de força para enfrentar a quase normalidade.
E de súbito caem-nos quatro amuse bouche ou entradinhas, cada uma ao seu estilo: guacamole fumado e gamba da costa na consistência que manda a lei, um canelloni de carapau fumado e alho negro a saber bastante a peixe, uma ostra do Alvor com pera-nashi e algumas flores a adornar, e tartelete de cebolinhas com queijo de São Jorge. Que belo começo de conversa.
É a primeira vez que este restaurante se mete nestas andanças. Para aqui estarmos, houve que encher uma carrinha com uma variedade imensa de pratos (os mais resistentes, para não se partirem no caminho), talheres, copos e guardanapos. Além dos produtos algarvios, claro, e parte da equipa que agora nos serve, mais a que está na cozinha, que fica nas nossas costas. Correu tudo bem, podemos já adiantar, mas no final há sempre que assinalar que este não é o espaço deles… Estamos apenas a receber 50% da experiência, mas é o que se arranja por agora e não está nada mal.
Enquanto o maestro João Oliveira faz magia na cozinha, em harmonia com os seus ajudantes, a chefe de sala Filipa Correia dá a cara pelos pratos que vão desfilando, apresentando-os com todo o entusiasmo. Agora é a vez de provarmos um filete de cavala (o mesmo peixe que ainda há pouco tempo era descartado pelos pescadores pelo seu fraco valor comercial), com pesto de azeitona verde e uma azeitona falsa. Estamos nós a pensar que daqui vai sair uma explosão salgada, quando percebemos que afinal a falsidade é feita de manteiga de cacau.
O prato que mais bruaá causa na mesa, até por não estarmos na época deles, foi o de tomate biológico com manjericão e camomila, finalizado com caldo de camarão. A frescura deste fruta de verão aquece a noite fria, com doses certas de doçura. Esta receita é o perfeito teaser para o menu degustação vegetariano, adaptado a vegan e restrições alimentares (€150), um bestseller do Vista. O outro menu também não apresenta nenhuma variedade de carne (€180), mas sim muito peixe e marisco, como se quer num restaurante junto à praia e como nos garante João Oliveira, depois de despachar o serviço.
Estamos agora a provar o ravioli de lula recheado de caranguejo e galanga (da família do gengibre), com lemongrass e coco. Achamos que o prato está demasiado salgado e por isso desviamos a atenção para o bailado ensaiado entre as três personagens que estão num constante põe-e-tira da mesa, às vezes de luvas brancas. É esse acessório elegantíssimo que nos põe na ordem: mesas deste calibre não são para esferográficas e blocos, muito menos para telemóveis. E só os deixamos ficar à mão porque precisamos mesmos deles.
A raia, com couve-flor, caviar imperial e ervas halófitas é que nos devolve ao maravilhamento alimentar. Mesmo depois de termos comido tudo, ainda apanhamos uma colher para saborear o molho até à última gota – esta couve-flor caramelizada justifica o desplante.
Os vinhos que acompanham a refeição, todos brancos, são irreprensíveis, de regiões tão diferentes como Torres Vedras, Douro ou Alentejo. E o Vila de Oeiras superior casa mesmo bem com a desconstrução de Dom Rodrigo que nos deixou o gostinho a doce no remate desta refeição que, para dizer o mínimo, nos soube a pouco. O resto fica a duas horas e meia de caminho e já está pronto para ser servido a quem se meter a caminho, com uma Estrela Michelin por companhia.
Vista Restaurante > Hotel Bela Vista > Av. Tomás Cabreira, Praia da Rocha, Portimão > T. 282 460 280 > ter-sáb 19h30 e 21h30