Brindar com vinho, pois então. Foi a proposta do The Artist Bistrô, na Baixa do Porto, onde outrora se aprendiam artes na Escola Artística Soares dos Reis, para festejar os seus dois anos. Ao mesmo tempo, o primeiro jantar vínico do ano, com a enóloga Filipa Pato, servia para desvendar parte dos novos pratos que podem chegar à mesa nos próximos meses, sem que no entanto o chefe Hugo Dias tenha aberto muito o jogo. É que, neste caso, o segredo é mesmo a alma do negócio. Sem carta, a surpresa tem sido a chave do êxito deste restaurante onde, ao jantar, pode escolher uma de três experiências (5 pratos €20, 7 pratos €25, 9 pratos €30) sem saber o que lhe vai chegar à mesa. Quando o cliente se senta à mesa, apenas lhe é perguntado se tem alguma intolerância alimentar. Depois, “tentamos surpreender”, garante o chefe Hugo Dias, que lidera uma equipa de estagiários do curso de cozinha provenientes da Escola de Hotelaria e Turismo do Porto (ali ao lado), outra particularidade no funcionamento deste restaurante e hotel.
Mas sigamos para o jantar vínico. No átrio, ainda lá estão as pautas das notas dos alunos da década de 60 a servirem de decoração (tal como as pinturas e as esculturas em gesso que cobrem as paredes por todo o hotel e salas), mas o que aqui nos traz é perceber como os vinhos da enóloga Filipa Pato se juntaram à cozinha de Hugo Dias.
No bar do hotel (antiga secretaria da escola), desfilam canapés que têm tanto de glamour como de sabor. A espiral de portobello com codorniz escalfada e o salmão marinado em blini com ricota, ervas e caviar de lima casam na perfeição com o Espumante 3B Rosé e o Espumante 3B Blanc de Blanc de Filipa Pato. Foram os espumantes a dar o pontapé de saída para este jantar vínico e, já sentados à mesa do restaurante (outrora a cantina da Escola Artística), a galantine de leitão – o leitão da Bairrada não podia faltar –, com crocante de massa fresca e cherry confitado em azeite de ervas, foi servido com o Espumante 3B Brut Nature, “com notas calcárias e mais minerais”, fruto de um estágio de mais de três anos, conta a enóloga e fundadora do Baga Friends. “Não é um Chardonnay nem um Pinot Noir”, adverte, com a simplicidade que caracteriza esta enóloga cujos vinhos se vendem em mais de 20 países. “Mas não fica aquém”, garantem os convivas na sala. Só pela paixão com que Filipa Pato fala dos vinhos que produz em várias aldeias da região da Anadia, com base em Óis do Bairro (onde vive e está a recuperar uma adega para desenvolver um projeto de enoturismo com o marido, o chefe e sommelier belga William Wouters), vale a pena saborear cada gole.
“A nossa filosofia é manter o existente, preservando a paisagem que conheci desde criança”, vai dizendo Filipa Pato, satisfeita com o prémio Awards for Friends que o grupo Baga Friends recebeu, há dias, da revista de vinhos e gastronomia alemã Der Feinschmecker. “São vinhos sem maquilhagem”, não se cansa de dizer, orgulhosa. E a produção não tem chegado para as encomendas. Alguns estão esgotados no mercado – como o caso do Nossa Calcário Branco – com uma produção pequena (5 a 6 mil garrafas) e que pode ser encontrado na carta de 32 restaurantes Estrela Michelin de Londres. “Quando o vinho acaba, acaba mesmo. As vinhas é que nos comandam, não é o mercado”, diz. A espetada de polvo à Bulhão Pato sobre estufado de lentilhas em pak choy é servida com outro vinho exclusivo: o FP Bical & Arinto Branco. “Um clássico que fazemos desde 2001, fresco, com estrutura, ótimo para acompanhar peixe.” Foi por causa deste vinho, confessa-nos, que o marido a conheceu, quando ainda tinha um restaurante em Antuérpia. “Conheceu primeiro o meu vinho e só depois me conheceu a mim”, conta, a rir.
Filipa Pato gosta de guardar uma história para cada vinho. E qualquer episódio serve para ficar guardado na sua memória. Como a que nos conta sobre o Nossa Calcário Tinto de 2003, que saboreamos com a chanfana de ossobuco com creme de grelos em crocante de batata. “É o Nossa de que mais me orgulho porque vindimámos no último dia de bom tempo de 2013, a 22 de setembro. Chamámos os nossos amigos, éramos uns 30, e foi o último dia seco. Depois disso, nunca mais parou de chover. É uma colheita especial para nós.”
Mas a história que ouviremos no remate final do jantar, sobre o vinho fortificado que acompanha a sobremesa (esponja de red velvet com gel de beterraba, cheesecake de morango e menta em pó), deixa-nos comovidos. O Espírito de Baga recorda as memórias de infância da enóloga. E nasceu quando, um dia, em casa da sua avó Maria Gomes (nome de uma casta da Bairrada!), Filipa abriu uma garrafa de 1975 (o seu ano de nascimento), feita para consumo caseiro. Assim nasceu o vinho licoroso de Filipa Pato, fortificado com aguardente de baga, com garrafa lacrada com cera de abelha de um produtor local, dando-lhe um toque mais doce no momento de servir. Irreverência e (boa) energia é o que não falta a Filipa e isso nota-se nos seus vinhos.
The Artist Porto Hotel & Bistrô > R. da Firmeza, 49, Porto T. 22 013 2700 > seg-qui 12h30-14h30, 19h30-22h30, sex-sáb 12h30-14h30, 19h30-23h30, dom 12h30-14h30