Um estudo realizado pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), através da sua Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono – divulgado em março deste ano –, e que consistiu num questionário online a mais de 2100 portugueses conclui que 52% sente que, raramente, ou só às vezes, dorme bem. Por outro lado, 75% passam menos de sete horas a dormir e 19% dos inquiridos não chega às seis horas de sono por noite.
Estes dados foram o ponto de partida para a conversa com a médica pneumologista Susana Sousa, do Hospital CUF Tejo e CUF Descobertas, que confirma a ideia de que estamos a dormir pior. “Esta é uma realidade preocupante a que assistimos na prática clínica. Podemos ter essa perceção no dia a dia se repararmos como as prateleiras do supermercado começam a encher-se de suplementos para o sono. E se estivermos atentos às redes sociais, às 2ªs feiras de manhã, repetem-se as publicações sobre a necessidade de café para começar o dia.”
A pneumologista considera que “andamos a dormir mal e pouco” e que as conclusões do estudo da SPP se repetem noutros países: “Um estudo da Sociedade Espanhola de Neurologia conclui que 48% dos inquiridos assume não ter um sono de qualidade e que quatro milhões de espanhóis podem ter um distúrbio do sono grave.”

Não existe um número mágico de horas de sono
A necessidade que temos de abordar o número mínimo de horas que devemos dispensar ao sono por noite não é assim tão relevante. “De uma forma geral, podemos dizer que os adultos devem dormir entre sete e nove horas, mas o número ideal é variável de pessoa para pessoa e diferente ao longo da vida”, explica Susana Sousa. O mais importante será deitar, adormecer bem, acordar com a sensação de sono reparador que nos permite mantermo-nos ágeis e ativos durante o dia, sem sonolência.
“As crianças, de uma forma geral, precisam de dormir mais horas do que as pessoas mais velhas. Mas, além da quantidade, existe um fator muito importante que é a regularidade”, destaca a médica. Deitar e acordar regularmente no mesmo horário é uma forma de manter a qualidade do sono e isso é transversal a todas as idades.
Quando pensamos que podemos compensar ao fim de semana, Susana Sousa esclarece que “esta dívida do sono não se perdoa e vai-se acumulando sem se pagar completamente, tendo consequências potencialmente graves no futuro.”
As novas formas de trabalhar decorrentes da pandemia – em regime híbrido ou predominantemente de forma remota – veio alterar-nos as rotinas. “Somos animais de hábitos e precisamos de ter regras relativamente à hora de acordar e à hora de deitar, mas também em relação à hora das refeições e de sair de casa. Eu tenho imensos doentes que estão em regime de teletrabalho e estão dias e dias sem sair.” Sendo o fator luz fundamental para regular o nosso sono à noite, é importante sair de casa sobretudo de manhã, estar ao ar livre, praticar exercício físico regular para nos ajudar a sincronizar o nosso sono.
Sinais de alerta
Estão descritos mais de cem distúrbios do sono. “As duas principais doenças são a insónia – que é descrita como a dificuldade em começar o dormir, em manter o sono ou em acordar antes do desejado, tendo isso impacto durante o dia – e a apneia obstrutiva do sono que se caracteriza pelo ressonar durante a noite, as paragens [respiratórias] presenciadas por quem está ao lado, acordar cansado de manhã, a sonolência diurna com impacto no desempenho académico e profissional.”
Quando as queixas de insónia se perpetuam no tempo e evoluem para a cronicidade, é o momento de marcar uma consulta, embora os estudos demonstrem que a maior parte das pessoas não procura ajuda. Existem ainda outras alterações que podem justificar a procura de um especialista, como por exemplo, “falar durante o sono, a sensação de querer acordar e não conseguir, movimentos exagerados durante a noite, os despertares frequentes e a sensação de um sono que não é reparador”.
A história clínica é sempre fundamental para o diagnóstico. “Algumas doenças não exigem mais exames específicos além de uma história clínica muito detalhada. A primeira consulta é, por isso, muito importante”, explica Susana Sousa.
Quer pelo diagnóstico, quer pelas vertentes de tratamento a oferecer, as doenças do sono envolvem várias especialidades (pneumologia, neurologia, otorrinolaringologia, medicina dentária, a medicina geral familiar, a psicologia, a psiquiatria, entre outras). Existe, desde há alguns anos, “uma competência em Medicina do Sono que dá a capacidade de diagnosticar qualquer doença, independentemente da especialidade de base que a pessoa tem”, refere a pneumologista.
A medicina geral e familiar pode ser, muitas vezes, a porta da entrada e o sono deve ser avaliado como um sinal vital. “Da mesma forma que se avalia a pressão arterial, a frequência cardíaca, deve perguntar-se como a pessoa dorme e se dorme bem.”
Tratamentos disponíveis
O tratamento depende muito da doença identificada. A principal forma de tratar a insónia não é a medicação para induzir o sono, esclareceu Susana Sousa. “O tratamento passa por uma estratégia de comportamentos a adotar, quer durante o dia, quer durante a noite, a que se chama terapêutica cognitiva comportamental para a insónia e que acarreta uma abordagem muito específica da psicologia”, acrescenta. Os fármacos podem ser necessários, como “uma bengala inicial”, mas devem ser apenas isso pois a psicoterapia faz o resto.
Para as outras doenças do sono, como a apneia do sono, pode ser necessário dormir com um equipamento (CPAP) que regulariza a respiração, mas ao longo dos anos têm surgido mudanças para o tratamento desta patologia. “Atualmente, a prescrição é cada vez mais dinâmica”, esclarece a pneumologista. Costuma dizer aos seus doentes que existem fatores muito relevantes do que o equipamento, como “controlar o peso, evitar o álcool e os cigarros à noite e dormir o número de horas adequado”.
Relativamente aos fármacos, Susana Sousa nota que as pessoas têm muita resistência à medicação indutora do sono e muito receio da habituação que isto pode criar. “A maior parte dos casos não precisa de medicação. A automedicação pode mascarar uma doença que não é tratada.”
Como dormir melhor?
É preciso estar alerta em relação ao nosso sono e ao das pessoas que vivem connosco. “As férias são uma ótima janela de oportunidade para colocar em prática algumas medidas gerais para uma vida saudável”, explica Susana Sousa. Um bom sono implica uma preparação durante o dia, que envolve a prática de exercício físico (idealmente no início do dia), alimentação equilibrada, refeições pouco condimentadas e leves, menos luz no final da noite, fugindo de dispositivos eletrónicos e da televisão próximo da hora de dormir. Além disso, evitar alguns inimigos de uma boa noite, como o tabaco ou o álcool.
A pneumologista conclui esta conversa afirmando que “o sono é um suplemento super poderoso, barato, sem efeitos secundários e ao dispor da maior parte de nós.”
Para ouvir em Podcast: