Referimo-nos às arritmias quando o coração não bate no ritmo considerado normal, intitulado de ritmo sinusal. As arritmias podem ser múltiplas, fazem parte da nossa vida e podem dividir-se entre aquelas em que o coração bate mais lentamente e aquelas em que o coração bate mais rapidamente.
Podemos também abordar as arritmias como benignas ou malignas. No que respeita às últimas, tanto podem surgir em corações de pessoas doentes e mais velhas como também em jovens e saudáveis.
“Sabemos que nos países industrializados, as doenças cardiovasculares são a primeira causa de morte”, explica o cardiologista do Hospital CUF Tejo e do Hospital CUF Porto. No entanto, há que ter em conta o que tem permitido inverter o risco de morte cardiovascular, como a prevenção e a capacidade de intervenção que a medicina trouxe para o dia a dia. “Quando o doente é transportado ao hospital no tempo certo pode conseguir ter ou não ter sequelas ou ter sequelas mínimas que lhe permite viver normalmente, embora tomando medicação”
Há que ter em consideração que Portugal tem uma rede Via Verde do AVC que funciona e em todas as áreas do País há centros de referência que podem desobstruir o vaso que ocluiu adequadamente no tempo certo, destacou.

Um conselho muito importante que o também coordenador do Centro do Coração do Hospital CUF Tejo salientou foi a importância de ligar para o 112 perante alguns sintomas. “Imaginando um enfarte, não vale a pena ir no carro do filho ou chamar um táxi porque a probabilidade de sobreviver é perto de zero [pode morrer por morte súbita] enquanto se esse evento acontecer no hospital é perto de 100%”.
A extraordinária evolução médica
Em doentes considerados de alto risco – que já tiveram um enfarte, que têm miocardiopatia dilatada ou doença elétrica familiar do coração – podemos implantar um cardioversor desfibrilhador, um aparelho altamente sofisticado que tem uma bateria com duração até 10 a 12 anos e que vigia permanentemente a atividade elétrica do coração. “Se houver uma arritmia dita maligna, o aparelho resolve sozinho através de um choque dentro do coração ou faz uma estimulação rápida do coração para interromper a arritmia.”
Estes aparelhos estão ligados aos serviços dos hospitais que tenham área diferenciadora na área de Arritmologia por monitorização à distância. “Se um dos nossos doentes tem um evento, nós recebemos no nosso sistema informático a informação e conseguimos verificar o que é que aconteceu à distância.” Estes doentes estão conectados aos serviços e muitos deles encontram-se fora de Portugal.
Também os aparelhos e a forma de implantação evoluíram muito ao longo dos anos. Mário Martins Oliveira demonstra ao longo desta conversa alguns dos dispositivos, dando como exemplo o tamanho de um pacemaker – pouco maior do que uma antiga moeda de 50 escudos – e que tem a durabilidade até 13,/14 anos em termos de bateria, com algoritmos adequados ao dia a dia das pessoas, independentemente das idades.
“Hoje, temos um manancial de tratamentos que começa na prevenção, nos fármacos adequados para proteger o coração, além de aparelhos que tratam a insuficiência cardíaca em doentes selecionados e que ajudam o coração a trabalhar melhor”, explica o cardiologista, acrescentando que estes aparelhos têm um incrível impacto na redução da hospitalização e na mortalidade.
Em 2022, Portugal realizou 4 000 procedimentos de ablações das arritmias. O cardiologista refere-se a cateteres de alta definição que conseguem eliminar o circuito da arritmia. “Temos hoje pessoas que há 20 anos não tinham qualquer hipótese de cura e que conseguem ficar livres da doença, desde que a arritmia seja diagnosticada atempadamente.” As pessoas conseguem ter uma vida absolutamente normal embora sejam vigiadas em consultas hospitalares regulares, mas com menos periodicidade do que há uns anos devido à monitorização à distância referida atrás.
Uma das arritmias mais frequentes chama-se fibrilhação auricular – que afeta 4 a 5% de toda a população portuguesa – e constitui atualmente uma das indicações para a realização das tais ablações com cateteres dentro do coração. “Este procedimento era extremamente complexo há uns anos mas, atualmente, a maioria dos doentes saem no dia seguinte do hospital. Acabam por fazer uma intervenção ao coração sem cicatrizes e costuras, voltando à sua vida normal.” Este tipo de arritmia pode constituir um episódio isolado ou instalar-se de forma mais permanente com diferentes impactos na qualidade de vida.
O impacto da medicina geral e familiar
Ao longo desta conversa, Mário Martins Oliveira revela a sua preocupação com o facto de mais de um milhão e meio de pessoas não terem médico de família, o que irá ter consequências a vários níveis e em diversas doenças a longo prazo. “Temos de olhar para o futuro e precisamos de reequilibrar rapidamente, em
Portugal, a relação entre médico de família e a população. Todos os dias encontro doentes que me dizem que não têm médico de família e isto não é aceitável. As pessoas têm de reclamar nos seus centros de saúde essa necessidade.”
Mesmo as pessoas saudáveis devem fazer um check-up anual para avaliar a sua saúde. O cardiologista chamou a atenção para os estilos de vida saudáveis e explicou que se especula que “os nossos filhos e netos venham a ter menos esperança média de vida do que nós, pela primeira vez na história, devido à obesidade”. O peso é um dos fatores de risco mais preocupantes com implicações a vários níveis e diversas doenças.
A Sociedade Europeia de Cardiologia insiste desde há uns anos para que as pessoas saibam avaliar o seu pulso. A pulsação normal em repouso varia entre os 60 e os 100 batimentos cardíacos, mas tem de se ter em consideração a existência de alguns ajustes. “Se eu for regularmente ao ginásio e praticar exercício físico, a minha pulsação fica mais lenta porque o meu coração se adaptou ao treino, o que é normal.” De igual modo, uma pessoa em situações de stress pode ter uma pulsação mais elevada e até subida da pressão arterial, ao que se chama “regulação do nosso sistema cardiovascular pelo Sistema Nervoso Autónomo”.
No próximo dia 17 de maio comemora-se o Dia Mundial da Hipertensão e Mário Martins Oliveira alertou para a elevada prevalência da doença em Portugal – com valores muito perto dos 50% de pessoas com hipertensão – ainda que a maioria apresente formas ligeiras que podem ser controladas com alterações do estilo de vida (perda de peso, redução do sal, controlo do stress e da apneia do sono, exercício físico, alimentação saudável). Por outro lado, a ocorrência do Acidente Vascular Cerebral está muito associada à hipertensão arterial.
Como mensagem final, Mário Martins Oliveira refere que existem duas situações que podem justificar a procura de um cardiologista: pessoas com uma história familiar de doença cardiovascular muito pesada e, sobretudo, em pessoas com eventos antes dos 55 anos mesmo que sejam aparentemente saudáveis. Mas também as pessoas que tenham sintomas que, algumas vezes, são desvalorizados, como as tonturas com sensação de desmaio, palpitações bruscas e falta de ar. “Nunca devemos descurar sintomas porque pode ser o nosso corpo a pedir ajuda”, remata.
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