Utilizar alimentos naturais, biológicos ou caseiros nas dietas é visto, no geral, como uma aposta alimentar mais saudável relativamente aos alimentos processados, ou seja, os que são fabricados, essencialmente, com adição de sal ou açúcar a um alimento, mas também com corantes, conservantes, emulsificantes, óleos, gorduras e outros aditivos químicos.
Mas só porque um alimento é natural não significa que seja saudável, avisa Christina Sadler, manager do European Food Information Council (EUFIC) e investigadora na Universidade de Surrey, em Guildford, Inglaterra, em declarações à BBC, referindo que há alimentos naturais que contêm toxinas e que, por isso, o seu mínimo processamento pode torná-los mais seguros para serem consumidos.
Nem tão maus…
Por exemplo, o processamento do leite de vaca tornou-o, ao longo do tempo, mais seguro para consumo. “É uma das maiores histórias de sucesso de saúde pública do século passado”, diz à BBC John Lucey, professor de ciência alimentar na Universidade de Wisconsin-Madison, EUA. “Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, cerca de um quarto de todas as doenças transmitidas por alimentos e pela água vinham do leite. Agora é menos de 1%”, acrescenta.
O congelamento, um tipo de processamento mínimo, pode ajudar a reter os nutrientes que são necessários. As frutas e vegetais congelados, considerados alimentos processados mas aceitáveis para consumo, são exemplos disso e há estudos que sugerem que alguns alimentos congelados podem ser tão bons ou melhores como os frescos ao nível de nutrientes.
“Tomates enlatados são um exemplo clássico de alimentos processados que são melhores do que os frescos”, garante, por seu lado, Gunter Kuhnle, professor de ciências alimentares e nutricionais da Universidade de Reading, Inglaterra, porque “podem ser colhidos muito mais tarde, quando o alimento está muito mais maduro, e processados de uma forma muito mais delicada”.
Preservar os alimentos e torná-los mais acessíveis a todos é outro benefício do processamento mínimo. Fermentar o queijo, por exemplo, reduz, em alguns casos, a sua quantidade de lactose, o que faz com que ele possa ser consumido por pessoas que tenham uma intolerância mais leve à lactose.
O feijão vermelho, por outro lado, também contém lectinas, proteínas que podem provocar vómitos e diarreira. Estas proteínas podem ser removidas deixando-o de molho durante umas horas e, depois, cozinhando-o em água a ferver. Adicionar calor aos alimentos também faz com que se possa fazer uma alimentação muito mais variada (se não houvesse esse processo, não se conseguiria comer batatas, por exemplo).
Nem tão bons
Mas claro que o ultraprocessamento dos alimentos, com funções como realçar a cor, sabor, aroma, textura ou aumentar o prazo de validade, não são, no geral, bons para a saúde. Em 2018, pediatras da Academia Americana de Pediatria alertaram para os perigos da exposição excessiva dos mais pequenos aos aditivos que se juntam à comida e que existem nas embalagens de plástico ou em latas. Os químicos que geravam maior preocupação aos pediatras eram os nitratos e nitritos, utilizados como conservantes em produtos à base de carne, como os enchidos. Mas também os flalatos, que se adicionam ao plástico para o tornar mais maleável, ou o bisfenol, usado na liga de metal das latas. E ainda os compostos perfluorados e os percloratos, ambos presentes nos materiais das embalagens de comida.
Além disso, em dez anos, o número de casos de alergias alimentares aumentou 18% entre a população geral e 50% entre as crianças. Em 2019, a pediatra Ana Isabel Diniz, que se especializou em alergologia, com duas décadas de experiênciêa na área, explicou à VISÃO os motivos que justificam este aumento de alergias alimentares, identificando a comida processada como um deles. Um estilo de vida apressado, em que se recorre frequentemente a comida embalada, cheia de conservantes, e com métodos de produção industriais é um dos principais fatores, garantiu.
Estudos têm demontrado ao longo do tempo que as pessoas têm mais tendência a consumir comida processada, o que faz com que ingiram mais calorias e, consequentemente, ganhem mais peso, aumentando o risco de virem a ter problemas cardíacos, por exemplo.
Ou seja, apesar de haver vários benefícios associados ao processamento mínimo dos alimentos, o mesmo não se pode dizer dos alimentos ultraprocessados. Mas até a própria terminologia não é aceite de forma consensual pela comunidade científica. Serão necessários mais estudos e mais investigação nesta área.