A quarentena obrigatória, o distanciamento social, que depois se passou a chamar físico, e o dever de confinamento a pairar no ar desde que foi decretada a pandemia em muito aniquilaram o “animal social” que tão bem define os humanos. E as crianças estão entre os mais afetados – falta saber agora se os jovens destes tempos pandémicos se tornarão adultos perturbados daqui a poucas décadas.
Há esse risco. Um novo estudo, publicado na Nature Neuroscience, mostra que o isolamento social durante a infância, em particular, é prejudicial à função e ao comportamento do cérebro adulto em espécies de mamíferos, ainda que os mecanismos subjacentes do circuito neural permaneçam mal compreendidos.
Um grupo de investigadores da Escola de Medicina do hospital Mount Sinai, em Nova Iorque, identificou subpopulações específicas de células cerebrais no córtex pré-frontal (uma parte fundamental do cérebro que regula o comportamento social) necessárias para a socialização normal na idade adulta que são profundamente vulneráveis ao isolamento social juvenil em ratos.
O estudo, publicado a 31 de agosto na Nature Neuroscience, aponta a luz sobre um papel anteriormente não reconhecido dessas células, conhecidas como neurónios do córtex pré-frontal medial, que se projetam para o tálamo paraventricular, a área do cérebro que retransmite sinais para vários componentes dos circuitos de recompensa. Se a descoberta for replicada em humanos, pode levar a tratamentos para transtornos psiquiátricos ligados ao isolamento.
“Além de identificar este circuito específico no córtex pré-frontal, que é particularmente vulnerável ao isolamento social durante a infância, também demonstrámos que o circuito vulnerável identificado é um alvo promissor para tratamentos de défices de comportamento social”, explica Hirofumi Morishita, professor de psiquiatria, neurociência e oftalmologia na escola de medicina Icahn em Mount Sinai, membro dos corpos docentes dos institutos The Friedman Brain e Mindich Child Health and Development e autor sénior do artigo – financiado por doações do National Institutes of Health, do National Institute of Mental Health e da The Simons Foundation.
Indo mais ao pormenor, os investigadores descobriram que, em ratos machos, duas semanas de isolamento social imediatamente após o desmame leva a uma falha na ativação dos neurónios do córtex pré-frontal medial que se projetam para o tálamo paraventricular durante a exposição social na idade adulta. Constataram também que o isolamento juvenil levou a uma excitabilidade reduzida dos neurónios pré-frontais e aumentou a entrada inibitória de outros neurónios relacionados, sugerindo um mecanismo de circuito subjacente aos défices de sociabilidade causados pelo isolamento social juvenil.
Para determinar se a restauração aguda da atividade de projeções pré-frontais para o tálamo paraventricular é suficiente para melhorar os défices de socialização em ratos adultos submetidos ao isolamento social juvenil, a equipa aplicou duas técnicas:
A optogenética, para estimular seletivamente as projeções pré-frontais para o tálamo paraventricular através de feixes de luz; a quimiogenética, que permite o controlo químico não invasivo das células. Ao empregar ambas as técnicas, os investigadores foram capazes de aumentar rapidamente a interação social nesses ratos, uma vez que feixes de luz ou drogas lhes foram administrados.
“Verificámos um défice de comportamento social pouco antes da estimulação e, já com a estimulação a decorrer, descobrimos que os défices de comportamento social foram revertidos”, salienta Hirofumi Morishita. A identificação desses neurónios pré-frontais específicos apontará para futuras terapias para melhorar a insuficiência comum a muitos transtornos do foro neurológico e psiquiátrico, como autismo e esquizofrenia.