Em 2020, Portugal deveria ter reciclado 50% dos seus resíduos urbanos, mas ficou-se pelos 38 por cento. O País, aliás, tem desrespeitado sucessivamente os objetivos nacionais, definidos em conjunto com a Comissão Europeia. Os portugueses são mesmo dos que menos reciclam, no bloco europeu. O que está a falhar? A natureza humana, garante Leonardo Mathias, ex-secretário de Estado da Economia, que agora lidera a Associação SDR [Sistema de Depósito e Reembolso] Portugal.
“O comportamento do ser humano funciona através do incentivo”, diz à VISÃO, na Conversa Verde desta semana. “Neste setor das embalagens de bebidas de metal, plástico e vidro, às pessoas interessa receber o reembolso, serem pagas. As questões ambientais são como o sexo na adolescência: fala-se muito e pratica-se pouco. Em Portugal, toda a gente se diz ambientalista, temos partidos ambientalistas, Os Verdes, o PAN, não há partido político, ser humano, amigo nosso que não fale do ambiente, seja à mesa, ao café, no parlamento, mas depois olhamos para as nossas taxas de retoma e vemos que estamos muito aquém das metas.”
O plano da SDR (constituída pelas empresas de bebidas Coca-Cola, Central de Cervejas, Sumol+Compal, Super Bock Group e Unilever, e pelos retalhistas Auchan, Intermarché, Lidl, Pingo Doce e Sonae Modelo Contintente) para melhorar os nossos números de reciclagem é criar um sistema “simples, conveniente, rápido e credível” para recompensar as pessoas que devolvam as embalagens de plástico PET e de metal vazias. De certa forma, há aqui um regresso ao passado, ao tempo em que “havia o conceito da tara e íamos à mercearia devolver a garrafa”, diz Leonardo Mathias.
É essa a diferença para outros países, continua o gestor. A questão não é cultural, como muitas vezes se diz. “Se olharmos para Noruega, Suécia, Alemanha, que têm os sistemas a funcionar desde finais dos anos 80, início dos 90, vemos que as taxas de retoma são superiores a 90%. Independentemente da mentalidade de cada um, este sistema de depósito e reembolso é eficaz”
“10 a 12 cêntimos” por embalagem devolvida
Na verdade, o pagamento pelas embalagens usadas já devia estar em funcionamento, sublinha Leonardo Mathias, lembrando que a lei determina que, desde 1 de janeiro deste ano, é obrigatória a existência de um sistema nacional de depósito e reembolso para embalagens de plástico, vidro e metais. Mas continua por publicar a portaria que define a arquitetura de licença e concessão desse sistema.
Foi por isso que o setor privado decidiu “antecipar o que já devia ter saído na legislação”, começando por avançar com um projeto-piloto, “que foi um sucesso”. “O setor privado entendeu que se devia juntar, estudar e trabalhar para ajudar neste desígnio nacional., que é nosso, de todos, não só do governo. Há mais de um ano e meio que estas entidades estão a trabalhar nisto, por entenderem que é seu dever, e também porque se insere na questão da responsabilidade alargada do produtor, que está na lei. O que nós queremos afirmar à sociedade é que estamos prontos. Estamos prontos, estamos a investir e vamos investir muito mais.” A SDR prevê investir €100 milhões nesse sistema e, com isso, criar 1 500 postos de trabalho.
Para já, a associação vai arrancar com a instalação de 2 600 máquinas em grandes superfícies, e potencialmente mais mil em locais como estações de comboio, hospitais e câmaras municipais, que pagam aos cidadãos por cada embalagem devolvida. Os valores ainda não estão completamente fechados, mas Leonardo Mathias aponta para “10 ou 12 cêntimos” por embalagem.
O passo seguinte é uma candidatura à concessão do sistema nacional, que abarcará todos os cafés, restaurantes e unidades hoteleiras do País – uma rede que terá 77 mil pontos de recolha, número que ainda subirá uns milhares se somados os estabelecimentos de comércio local. Essa rede, acrescenta o presidente da SDR, deverá ser gerida por uma única entidade gestora. “Onde o depósito e recolha tem sucesso é nos sítios onde existe um sistema único, para que haja clareza para o consumidor. Em países com sistemas concorrenciais entre si, as taxas de retoma não sobem dos 50 por cento.”
Implantar a rede de depósito e recolha não será barato, sobretudo quando estão em causa cerca de dois mil milhões de embalagens por ano. Mas a alternativa não é melhor. “Se não pagarmos de uma maneira, pagaremos de outra: as multas da Comissão Europeia.”
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