Quando se fala em emissões de gases com efeito de estufa, a produção de energia, os transportes e até a agricultura são os vilões habituais. Mas os consumos energéticos e os materiais usados na construção e nos edifícios representam uma grande parte das emissões – mais de 30% dos gases com efeito de estufa da atividade humana vem deste setor. Só a produção de cimento, se fosse um país, seria o terceiro maior emissor do mundo.
A indústria, no entanto, está a adaptar-se aos novos tempos, garante Vasco Varela, da Fortera, grupo de desenvolvimento e gestão imobiliários, na Conversa Verde desta semana. “O setor da construção tem uma pegada ecológica significativa, nos seus vários momentos. Mas têm sido dados alguns passos na procura de materiais que substituam o cimento e outras matérias-primas. Tecnocimento, ferro feito com aproveitamento de resíduos da própria construção e do aço…”
A evolução é lenta, atendendo às preocupações próprias da construção, em que a resistência e a segurança estão no topo das prioridades. “Muitos destes materiais encontram-se ainda numa fase experimental. Têm sido demonstrados com sucesso, embora ainda não estejam encontradas soluções perfeitamente satisfatórias a este nível. Mas o trabalho que tem sido feito vai trazer resultados.”
Um dos materiais alternativos ao cimento, a madeira, é comum noutros países, sendo usado até para construir arranha-céus: em 2019, foi inaugurado na Noruega o mais alto edifício de habitação do mundo em madeira, o Mjøstårnet, com 85 metros de altura. Em Portugal, porém, este material, que pode ser altamente sustentável, continua a ser um produto de nicho. “O custo da madeira não é substancialmente mais baixo, e para uma família, quando adquire um imóvel, o preço tem um peso importante na tomada de decisão”, justifica Vasco Varela. Além disso, continua, o mercado também não seguiu esse caminho porque “culturalmente, há alguma barreira a estas soluções e o cimento dá a perceção de mais proteção e isolamento.”
O mercado recompensa o ‘verde’?
Onde a construção moderna tem maior margem de evolução, para se tornar mais sustentável, nem é tanto no momento da construção propriamente dita, mas sim a longo prazo, melhorando a eficiência energética dos edifícios, continua o representante da Fortera. “Os materiais usados no isolamento e a gestão das suas fontes de energia são sempre muito importantes.” Por exemplo, acrescenta, Portugal tem na cortiça uma indústria “altamente sustentável”.
“Há um conjunto de materiais que podem ser usados e permitem um isolamento eficiente da habitação, tem havido aqui evoluções muito grandes. A iluminação inteligente é também uma das maiores inovações. O consumo energético deu passos significativos. Sistemas fotovoltaicos, telhas que captam a energia solar…. Há uma panóplia de produtos que ajudam imenso a otimizar a energia e reduzir os custos energéticos.”
Atualmente, não há comparação com a construção que imperou no passado recente, como o das décadas de 80 e 90. “A construção em Portugal está muito melhor”, assegura Vasco Varela.
A sustentabilidade nem sempre é devidamente recompensada pelo mercado. “Na perspetiva do cliente individual, ainda há um trabalho de sensibilização a ser feito. Ao tomar a decisão, a sustentabilidade está uns furos abaixo das primeiras opções.” Mas, no setor empresarial, já há outra visão. “Para as empresas, a sustentabilidade da construção é uma mais-valia, até porque percebem que através da sustentabilidade também conseguem uma racionalização de recursos. E essa é uma política saudável de futuro.”
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