A alimentação é responsável por 10% a 30% da pegada de carbono de uma família – quanto menor o rendimento, maior a pegada relativa da alimentação. Mas podemos reduzir esse impacto, e sem ter de sacrificar o prazer de comer. “É possível comer com qualidade, de forma divertida e amiga do ambiente. Não tem de ser só saladas”, garante Cláudia Cordovil, na Conversa Verde desta semana, a propósito do livro Alimente-se sem deixar pegada – receitas saborosas para cuidar de si e do planeta (€17,90, Casa das Letras), que escreveu em coautoria com a nutricionista Teresa de Herédia e o chefe Diogo de Noronha.
Usando como métrica ambiental a pegada de azoto dos alimentos, os três autores propõem várias receitas, organizadas em menus para duas semanas, simultaneamente saudáveis e sustentáveis, sem os preconceitos que muitas vezes turvam estas discussões. Há, por exemplo, vários pratos de carne e peixe no livro, apesar de muitos defenderem o vegetarianismo ou o veganismo como a melhor forma de reduzir a pegada ecológica. “A opção vegan é pessoal. Não é essa a solução para um ambiente mais sustentável”, diz Cláudia Cordovil, professora do Instituto Superior de Agronomia, da Universidade de Lisboa. “A solução é comer com equilíbrio, comer de tudo e, se pudermos, asseguramos que o que comemos tem origem em produção sustentável. Aí, sim, fazemos a diferença. É possível adquirir ingredientes com menor impacto no ambiente, incluindo carne e peixe.”
É importante não comer demasiada carne, tanto por questões ambientais como de saúde. Mas não menos importante é escolher a carne certa. E aquela que é produzida em Portugal dá boas garantias, atendendo a que a maioria da carne nacional pode ter efeitos positivos no ambiente. “A carne de raças autóctones é produzida em regime extensivo, que é extremamente sustentável”, esclarece a professora. “Quando as pessoas apontam o dedo à carne, esquecem-se de que a maioria da produção portuguesa é extensiva e tem impactos ambientais reduzidos. Mas não devemos come carne a todas as refeições, todos os dias, porque ter um só tipo de alimentação não é sustentável.” Outra razão para escolher carne nacional ou europeia é a saúde. “Fora da Europa, é permitido usar hormonas de crescimento na produção animal. Aqui, não é permitido.”
Há um truque simples na alimentação que é quase sempre garantia de que estamos a tomar a opção certa, sob todos os pontos de vista. “Se a nossa alimentação for variada, temos um contributo muito mais sustentável e uma pegada muito menor”, sublinha a professora universitária.
Os mitos
Uma das conclusões do livro é que, o que é bom para nós, é bom para o planeta. “Quanto mais saudável for a nossa alimentação, mais facilmente conseguimos pegadas pequenas. A questão ambiental está diretamente relacionada com a da saúde. Se tivermos uma alimentação saudável, estamos, mesmo sem querer, a ter uma alimentação mais amiga do ambiente. Se comer carne e peixe em quantidades recomendadas, se comer mais vegetais, se respeitar a roda dos alimentos, estou a contribuir para ter um impacto menor”, explica Cláudia Cordovil.
A autora do livro acrescenta que há várias ideias feitas sobre alimentação sustentável, que nem sempre se apoiam na ciência. Por exemplo, destaca, é comum dizer-se que devemos consumir produtos locais e de época, sendo que, na verdade, só metade desta afirmação é certeira: um produto da nossa região não é necessariamente sustentável, até porque o transporte tem um peso muito reduzido na pegada dos alimentos (um sueco faz melhor em optar por tomates portugueses, tendo em conta os gastos energéticos para os produzir localmente); já um ingrediente sazonal é quase sempre uma boa opção. “Devemos consumir ingredientes de época, porque sabemos que foi necessária menos energia para os produzir. Teremos pegadas mais pequenas se comermos produtos de época.” A professora lamenta que se tenha perdido o “entusiasmo de esperar pelos morangos”. “Temos de voltar a ter o gosto de esperar por eles. Os morangos de época são muito mais saborosos. E isto aplica-se a tudo.”
Cláudia Cordovil regressa ao tema da carne para dizer que esse é um mito muito instalado. “Há quem queira acabar com os ruminantes… Mas, para termos ecossistemas equilibrados, temos de ter todos os tipos de graus da cadeia alimentar, incluindo os animais. Não devemos eliminá-los. Um ecossistema agrícola sem animais não está completo e entra em desequilíbrio. A ideia de que podemos ter um ecossistema só com plantinhas e sem animais é um mito. Não: temos de ter tudo.”
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