Tempo. Usamos a mesma palavra para tempo meteorológico e tempo cronológico. E não é por acaso. Afinal, ambos expressam a continuidade de instantes; e na atmosfera, como na vida, pequenas perturbações podem resultar em grandes transtornos – o chamado Butterfly Effect.
Se é verdade que já conseguimos antecipar com segurança se amanhã fará calor ou frio, chuva ou sol, também é verdade que dificilmente chegaremos a previsões 100% precisas. Este desafio é maior quando falamos de eventos extremos, o que é problemático quando tantos recordes históricos continuam a ser superados, mês após mês, ano após ano.
Mas se é tão difícil prever o tempo, porque é que nos devemos preocupar hoje com as alterações climáticas num futuro distante?
Por um lado, porque a dimensão climática do tempo (a média ao longo de várias décadas) é um indicador da saúde do nosso planeta extremamente estável. Como analogia simplificada, pense-se no planeta Terra como uma pessoa: podemos ter um episódio de febre mas, havendo saúde, o organismo tenderá a regressar à sua temperatura basal (cerca de 37°C). A Terra também tem essa temperatura – aproximadamente, 15°C. Mas está a mudar.
Os dez últimos anos foram os mais quentes desde que há registos e em 2023 já se ultrapassaram 1.3 °C de diferença em relação ao período pré-Revolução Industrial. Na Europa, 2023 foi o segundo ano mais quente, apenas atrás do tórrido 2022, e em Portugal, a temperatura média anual do ar chegou aos 16.59 °C, 1.04 °C acima do valor médio entre 1981 e 2010.
Por outro, porque as consequências das alterações climáticas são mais gravosas durante os extremos, e ao nível local. Por exemplo, no nosso país, entre 1961 e 1990 tivemos, em média, 13 dias com Fator de Calor Excessivo positivo por ano, subindo para 38 dias por ano, entre 1991 e 2018. Curiosamente, é na faixa litoral de Portugal continental, acima do Tejo, que o maior agravamento se verifica. Por outras palavras, é onde o clima é mais ameno que está a mudar mais rapidamente.
Conhecer estas tendências é importante porque as ondas de calor têm efeitos negativos significativos, sobretudo na saúde. Entre 2000 e 2018, as ondas de calor resultaram, em média, num aumento de 20% nas admissões hospitalares. Contudo, estes impactos variam substancialmente entre regiões. Por exemplo, na maior onda de calor de 2016, estima-se um excesso de admissões hospitalares de 37958 pessoas em Portugal continental, das quais 16159 na região Norte e 12342 na Grande de Lisboa. Estas diferenças decorrem de múltiplos fatores locais tais como características da população, condições da habitação, níveis de pobreza energética ou acesso a espaços verdes.
Por conseguinte, importa pensar qual será o impacto calor extremo no nosso país, cidades e bairros daqui a 30 ou mais anos, e o que podemos fazer hoje pelas gerações futuras.
Devemos, por exemplo, adaptar o planeamento e gestão das nossas cidades, e converter os muitos e bons estudos e planos que existem, em ações que façam a diferença. Precisamos de ter no terreno sistemas operacionais de previsão, alerta e cenarização, cruciais para uma equidade climática.
Na Europa, procura-se liderar pelo exemplo com a iniciativa Destination Earth, implementando uma “réplica digital” da Terra que irá disponibilizar dados meteorológicos e climáticos com um nível de detalhe e precisão sem precedentes, permitindo aos estados-membros a integração de aplicações dedicadas, em benefício das suas comunidades. Também Portugal poderá servir-se deste sistema revolucionário – por exemplo, desenvolvendo novas ferramentas de apoio ao planeamento urbano, onde se possa simular os benefícios de introduzir mais espaços verdes nas nossas cidades.
Assim, não há motivo para não nos prepararmos. No que diz respeito ao calor extremo, não chega procurar uma sombra, há que se ser proactivo e pensar como proteger o nosso futuro e as gerações que se seguem. Afinal, são as ações de hoje que determinarão a nossa resiliência ao tempo de amanhã.