Tive o primeiro contacto com a interação oceano-atmosfera na Escola Naval, nos anos oitenta. Só mais tarde, com a criação do Instituto Português do Mar e da Atmosfera e a Estratégia Nacional para o Mar de 2013–2020, senti que o tema, cada vez mais presente na sociedade, entrara nas políticas públicas.
Hoje, negoceiam-se internacionalmente quotas de emissões de gases de efeitos de estufa (GEE), compram-se e vendem-se certificados nos mercados de carbono, e desenvolvem-se projetos que contribuem para o seu sequestro e neutralidade. Orientamo-nos para modelos de transição energética conscientes da ameaça que decorre de não a fazer. Contudo, ainda verificamos lacunas nos planos estratégicos para a monitorização do mar e do ar envolvente.
Ao abordar a capacidade de remoção de dióxido de carbono da atmosfera, temos centrado a análise nos continentes, circunscrevendo o conhecimento à quantificação da capacidade das florestas e outras zonas verdes. Negligenciamos a capacidade das cinturas costeiras onde se desenvolvem macroalgas e pradarias marinhas, e do fitoplâncton da nossa Zona Económica Exclusiva (ZEE). Qualificamos de “elevado potencial” os recursos existentes na enorme extensão oceânica de Portugal, sem que consigamos quantificá-lo. Sem isso, de pouco servirão as palavras!
Considero aceitável a hipótese de que o mar de Portugal terá uma elevada capacidade de remoção de dióxido de carbono da atmosfera. A contribuição da biodiversidade nas nossas costas e ZEE será muito superior à existente em terra. O carbono removido será parcialmente sequestrado naturalmente, podendo ser objeto de projetos complementares para esse efeito.
Tal hipótese, a verificar-se, tornará particularmente relevante o papel que o mar de Portugal pode desempenhar neste domínio. Importa proteger este ativo, não apenas pela sua função natural, mas também pela sua relevância nas negociações de quotas de emissões de GEE e nos mercados do carbono.
Mobilizemo-nos para mapear, monitorizar, modelar e estimar esta capacidade e promover a valorização deste recurso, que permite remover carbono da atmosfera, quer em meio selvagem, quer com soluções de engenharia natural, ou outras tecnologicamente adequadas. Comecemos pelo estabelecimento de uma rede de monitorização para produzir observações a longo prazo, facilitando a compreensão do ciclo do carbono e fornecendo informações sobre os GEE, desde a atmosfera ao leito marinho. Hoje, essa rede é praticamente inexistente.
Tal rede é incontornável para trazer a limites credíveis os valores dessa capacidade. Poderia pensar-se que o mar de um pequeno país como Portugal não seria um ativo relevante neste domínio. Porém, ao acrescentarmos ao litoral do continente e ilhas uma ZEE dezoito vezes superior ao nosso território terrestre, suscita-nos a multiplicação dessa capacidade.
Ainda que apenas uma reduzida área da ZEE possa, de facto, contribuir com maior expressão, é certo também que a capacidade de absorção de carbono de algumas espécies de macroalgas e das pradarias marinhas é superior, na ordem de dezenas de vezes, à das espécies terrestres. Por outras palavras, a aposta deve ser numa capacidade mais extensiva do que intensiva e numa ambição que, ainda que moderada, seja fiável, sustentável e vantajosa.
Caminhar para o mercado do Carbono Azul requer dos seus atores uma preocupação acrescida. Se a realidade em terra apresenta fragilidades mais fáceis de identificar, no mar só uma abordagem baseada no melhor conhecimento oriundo dos sistemas de monitorização permitirá concluir com sucesso a caracterização credível do potencial existente.
Trata-se da única opção fiável para um mercado que nos desperta para a questão de poder haver mais riqueza desconhecida no mar. Tudo dependerá da quantidade e do valor atribuído aos recursos marinhos a cada momento. Mas há que conhecê-los!