Se tivesse de escolher uma única experiência da sua vida que mostrasse a maneira como encara o impacto que os seres humanos têm nos oceanos, Nuno Sá escolheria o dia em que ajudou a soltar uma baleia, nos fiordes da Noruega. “Esta sequência, com que abre a série da BBC Blue Planet 2, foi, em termos pessoais, o auge da minha carreira”, confessa. Foi, por isso, por esse mesmo episódio que o fotógrafo e videógrafo subaquático português começou hoje a sua palestra na VISÃO Fest, na Estufa Fria, em Lisboa.
Nuno Sá estava a filmar com a equipa da da BBC a migração do arenque, “um enorme rio de arenque, perseguido por baleias”, descreve. “Terá sido esta abundância de vida que Jacques-Yves Cousteau via nos oceanos”, lembra, “e que, se calhar, nunca lhe passou pela cabeça que nós seríamos capazes de alterar.” Mas a verdade é que, cinquenta anos mais tarde, pescámos 90% desses recursos. “Sabemos que o dióxido de carbono é filtrado pelo mar, mais do que pelas florestas, e, acima de tudo, sabemos que o mar não é infinito e que nós estamos a ter uma pegada ecológica nele”, nota.
Quando se chega a um sítio extraordinário como são os fiordes da Noruega, onde havia meia dúzia de pequenas aldeias piscatórias, a expetativa é a de que não existe uma evidência de presença humana, mas a primeira coisa que encontraram foi uma baleia toda enrolada em artes de pesca. Nuno e outros mergulhadores passaram, então, uma hora e meia a cortar cabos para tentar soltar o animal. Não sabiam há quantas horas ou mesmo dias estaria preso. Não havia tempo a perder.
“Foi descer da Lua para o chão”, recorda. “Passar de ‘que sítio extraordinário’ para ‘se não o soltarmos, vai morrer ali.”
E o mais espantoso aconteceu quando o videógrafo português cortou o último cabo que prendia a baleia. “Ela veio ter comigo, ficou a um metro de mim e estivemos dez minutos a olhar um para o outro. Se calhar, estava à espera que eu ainda lhe cortasse mais algum cabo que eu não tinha visto, mas penso nesta experiência como algo poético.”
Outra das grandes experiências por que passou nos últimos vinte anos teve como cenário uma pequena baía na Patagónia argentina, onde assistiu à chegada de baleias-francas (a “right-whale”, baleia “certa” para se matar). As imagens são impressionantemente belas e Nuno Sá aproveita para lembrar que cada uma destas baleias tem um valor para a Humanidade de mais de 2 milhões de euros. Porquê? “Cada uma delas retira anualmente 33 toneladas de dióxido de carbono da atmosfera.” As suas fezes adubam a coluna de água, alimentando o ficto-plactôn, recorda.
Em poucos minutos, Nuno Sá contou-nos duas experiências por que passou “lá longe”, mas mais recentemente também recolheu imagens e histórias no mar de Portugal que podemos ver ou rever em RTP Play.
Há três anos, teve a ideia de criar uma série documental para mostrar aos portugueses o que é importante preservar. Avançou, então, com Mar, a Última Fronteira, um projeto da RTP, desenvolvido em parceria com o Oceanário de Lisboa e a Fundação Oceano Azul, que foi para o ar há quase um ano. E o trailer dá vontade de passar o resto do dia em binge watching.
Percorreu toda a costa continental e visitou os Açores e a Madeira, Ilhas Desertas incluídas. Fez mais de uma centena de mergulhos, mergulhou a mil metros de profundidade e ficou sem dúvidas de que temos, em Portugal, locais incomparáveis a nível mundial e uma riqueza de biodiversidade única que importa preservar.
“Mas também encontrámos maus exemplos”, lamenta. E dá um, dos que mais o impressionou: o decréscimo da população de cavalos-marinhos na Rua Formosa. Em menos de vinte anos, perdemos mais de 90% da população destes pequenos animais – passámos de 2 milhões para 100 mil, sobretudo por causa da captura ilegal.
“É um dos casos mais gritantes em que estamos a falhar localmente como portugueses”, diz. “E estaria aqui horas a dar-vos mais exemplos, mas só tenho tempo para destacar mais um: os tubarões.”
Um dos locais do mundo mais espantosos para observar tubarões é o arquipélago dos Açores. Foi lá, ao largo da ilha do Faial, no chamado Banco Condor, que Nuno Sá mergulhou pela primeira vez aos mil metros de profundidade, durante as filmagens da série para a RTP. Para conseguir essa “proeza”, já contou como apanhou “boleia” no Lula 1000, “um dos doze submarinos no mundo capazes de realizar mergulhos desta grandeza, e que pertence a uma fundação privada, a Rebikoff-Niggeler, sediada na Horta, precisamente para realizar expedições científicas”.
O tubarão-azul é a espécie mais pescada no mundo pelo valor das suas barbatanas, ensina, boas para confecionar sopa de tubarão, um símbolo de statu social no mundo asiático. As imagens deste animal a nadar, majestoso, são de perder a fala, dizemos nós. Arrepia, por isso, ouvir o videógrafo conservacionista (não é palavrão, é verdade) contar como ele é apanhado também por acaso pelos long-liners que largam palanques de superfície, cheios de anzóis, que acabam por pescar tubarões quando o objetivo era pescarem atuns e espadartes.
No fim, os belos tubarões são vendidos a 20 cêntimos o quilo, aprendemos. “Não é sequer rentável”, já se indignou há muito Nuno Sá, que agora se bate por uma campanha que pede o fim da comercialização de barbatanas de tubarão na Europa.
Todos os anos, são retirados do mar 100 milhões de tubarões e a Europa é um dos maiores exportadores do mundo. “A iniciativa depende de todos nós”, lembra. São necessárias um milhão de assinaturas, cada país europeu tem a sua quota-parte e Portugal deve contribuir com 170 mil. É procurar a hashtag #stopfinningEU e assinar, sem favor.
Nuno Sá nasceu no Canadá há 43 anos e mudou-se com os pais para Portugal aos 11 anos. O seu primeiro contacto com as profundezas dos mares aconteceu relativamente tarde, quando já era estudante de Direito e decidiu tirar o certificado de mergulho.
Após a licenciatura, foi morar para a ilha de São Miguel, com o objetivo de estar mais em contacto com o mar. Enquanto estudava Biologia Marinha na Universidade dos Açores, trabalhou a bordo de barcos de observação de cetáceos. E, em 2008, tornou-se fotógrafo subaquático profissional, já com a conservação na mira.
As suas fotografias começaram logo a ser publicadas na National Geographic e em revistas da especialidade. Publicou vários livros e
Em 2015, deu o salto para as imagens em movimento, assumindo-se como cameraman subaquático. Desde então, colabora regularmente com os canais National Geographic, Discovery e BBC. Foi, por exemplo, o cameraman principal do documentário Wild Islands of the Atlantic (Nat Geo Wild) sobre os Açores, dirigido pelo realizador austríaco Erich Proell. E em 2018, recebeu um prémio BAFTA (os Óscares da Academia Britânica de Cinema) pelo seu contributo na série Blue Planet 2.
Atualmente, está a trabalhar na próxima série da BBC Planet Earth 3. No futuro próximo, quer produzir filmes que mostrem os problemas que o mar enfrenta.
ASSISTA AQUI À EMISSÃO EM DIRETO
Saiba mais sobre o VISÃO FEST VERDE aqui.
A bp está a compensar as emissões de carbono deste evento. Saiba mais em bp.pt