Desde as 6 e meia da manhã desse dia 10 de fevereiro de 1943 que a artilharia soviética não parava de atingir Krasnyj-Bor.
A cidade ardia e, em redor, o manto de neve transformara-se num lamaçal coberto de destroços e de cadáveres. Ao fim de duas horas de bombardeamento começou um assalto avassalador e os violentos estrondos da batalha fizeram-se ouvir no posto de comando do Feldersatz Bataillon 250. No interior do bunker, o comandante acompanhava pelo rádio de campanha os acontecimentos que se desenrolavam na linha da frente, onde os seus homens lutavam desesperadamente contra vagas sucessivas de blindados e infantaria soviética.
Só lhe restava a 1.ª Companhia para contra-atacar e tentar defender a estrada Leninegrado-Moscovo. Rapidamente agarrou na sua arma e ordenou aos seus homens que se preparassem.
À medida que se perfilavam nos taludes, os soldados podiam observar ao longe o inferno que os esperava. De entre estes destacava-se um sargento veterano com o corpo cheio de cicatrizes, lembranças das muitas batalhas que já travara.
No seu peito, uma Cruz de Ferro alemã provava ser um militar condecorado por bravura, sendo também um antigo legionário com dois anos de combates na Guerra Civil de Espanha, a que somava um ano e meio de luta contínua na Rússia. Subira a pulso de soldado até líder de um pelotão de Infantaria. No entanto, este sargento não era um militar comum na Wehrmacht: falava português, nascera no Porto e chamava-se Vicente Domingues Monteiro. Foi um entre uma centena e meia de portugueses que serviram na Divisão Azul, uma unidade de voluntários espanhóis que combateu no mais desolador cerco da História da Humanidade: Leninegrado.
A história destes homens começara dois anos antes, no verão quente de 1941.
UM CANTO DE PAZ E INTRIGA
Numa Europa em guerra, Portugal era um dos poucos territórios onde a paz ainda sobrevivia. Viviam-se as incríveis histórias de espiões e redes secretas, que transformavam Lisboa num palco de confronto entre as principais agências mundiais. Para os mais pobres, a guerra gerava oportunidades inesperadas, como o tráfico de volfrâmio que criava fortunas num meio rural onde grassava a fome; já no meio urbano, os refugiados judeus davam um ar cosmopolita à capital, desafiando uma sociedade conservadora em que os «bons costumes» chocavam com a mentalidade liberal dos recém-chegados.
Toda esta tranquilidade aparente viu-se desinquietada por um acontecimento que teve lugar a milhares de quilómetros.
No verão de 1941, Hitler anunciou ao mundo a sua jogada mais ousada: a Operação Barbarossa. Na madrugada de 22 de junho lançou os seus exércitos na maior operação militar da História, a invasão da União Soviética, seguindo-se um duelo de morte entre os dois colossos militares.
Na Península Ibérica, as notícias foram recebidas com uma alegria que em Espanha foi de autêntica euforia. As feridas da guerra civil estavam longe de se encontrarem saradas e a possibilidade de combater contra a URSS apresentava-se como uma catarse para os traumas dos últimos anos. Nascia assim a Divisão Azul, uma unidade de voluntários que se alistaram para combater na «Cruzada contra o Bolchevismo».
Quanto a Salazar, via na perspetiva de aniquilação da URSS o maior dos golpes a desferir contra o comunismo e o seu alastramento pela Europa. A 1 de julho recebeu em São Bento o Barão de Huene, embaixador do III Reich em Portugal, enquanto em Espanha milhares de voluntários se alistavam para participar nessa nova frente de batalha. O diplomata alemão não hesitou em colocar a Salazar a questão que porventura este mais temia: porque não participava Portugal na luta contra o comunismo com uma legião de voluntários? A resposta foi marcada pela ambiguidade típica de Salazar: nem sim, nem não; primeiro teria de refletir sobre o assunto. O que Salazar na altura não sabia é que outros portugueses não hesitariam na resposta.