O segundo dia em Tóquio, terceiro se contarmos com o dia da chegada, foi passado em imensa atividade. Aconteceu de tudo um pouco.
Começámos por nos dirigir à estação central de comboios para marcar um bilhete para o monte Fuji. Ficámos uma vez mais surpreendidos e encantados com a eficiência dos funcionários da JR Lines (o equivalente à nossa CP, mas com as consoantes em bico). Uma senhora amorosa e pequenina, daquelas que apetece levar para casa, imprimiu-nos logo o itinerário com as escalas todas. Linhas, horas, estações e tudo e tudo. Encantados da vida, fizemo-nos à aventura que é circular no metro de Tóquio, com o objetivo de visitar o parque de Yoyogi.
Chegados ao dito, entrámos pela primeira porta que nos apareceu à frente. Andámos, andámos, andámos. E depois andámos um bocadinho mais. Até que chegámos a um brutal templo, de seu nome Meiji. Selfie para cá, Instagram para lá, meia dúzia de fotografias tortas tiradas por turistas. E percebemos que estávamos no sítio errado. Os jardins deste templo que, diga-se de passagem, é de perder a cabeça, são colados ao tal parque. Mas não são bem a mesma coisa. Voltámos tudo para trás e lá seguimos pela porta certa.
Tudo o que se diga sobre o parque é pouco. Imaginem entrar por uma procissão de criaturas mascaradas de bonecas, com cabelos roxos, cor de laranja e cor de rosa. Mulheres (e homens) vestidos de menina colegial estilo manga. Malta a treinar break dance em mesas de piquenique, aulas de kung fu, com e sem enormes barrotes de madeira, e uma personagem que saltitava alegremente de um lado para o outro numa espécie de arte marcial de marca branca. Rimo-nos que nem uns perdidos a observar este espetáculo que era digno da mais deprimente instalação do Carnaval de Torres.
Shibuya, um pouco mais abaixo do Yoyogi, é conhecido pelas suas lojas, néones, passadeiras e um cãozinho muito especial. Há uns anos atrás saiu um filme protagonizado pelo Richard Gere, em que um professor universitário faz um novo melhor amigo. Este melhor amigo é um cão de raça Akita, que após a morte do professor, continuou durante 10 anos a espera-lo todos os dias em frente à estação dos comboios. Pois a história é baseada em factos reais. E em frente à estação de Shibuya, lá está uma estátua do fiel Hachiko, no local onde o verdadeiro esperava pelo seu dono.
Durante a II Guerra Mundial a história do animal foi deturpada e utilizada como propaganda política. Mas, nos dias de hoje, é um sítio giríssimo para os adolescentes irem fumar às escondidas. Comparando com o mercado de Tsukiji e com o metro em hora de ponta, a porta da estação de Shibuya não fica nada mal colocada no ranking de populaça por metro quadrado. Então à volta do cãozinho são aos milhares.
Passando a estátua da imortal criatura, espera-nos uma das experiências mais inacreditáveis de sempre. Atravessar a estrada em Shibuya. Provavelmente todos até já vimos esta cena em filmes ou na televisão. Mas ao vivo a coisa toma uma dimensão completamente nova. Centenas de pessoas acumulam-se nas margens dos passeios. E assim que o sinal fica verde, salta tudo para o meio da estrada num cruzamento com três passadeiras diferentes. Sem darmos por isso estamos completamente desorientados, rodeados por uma multidão de gente que passa por nós a 300 à hora, sem sequer se tocarem. São centenas de pessoas ao mesmo tempo. Tipo autómatos, sem expressão, sem falar e sem nunca darem um encontrãozinho que seja. É completamente alucinante.
Claro que saquei da máquina fotográfica e meti-me lá no meio a disparar em todas as direções. Mas não só as fotografias ficaram péssimas, como eu fiquei no meio da estrada quando o sinal fechou. E claro está, assim que o sinal muda, já não há um único japonês na passadeira. Só o parvalhão do turista que demora mais de meia hora a perceber o que é que se está a passar à sua volta.
Depois das lojas e de um almoço menos atribulado decidimos ir tentar a nossa sorte no palácio imperial. Digo tentar a nossa sorte porque, até agora, já tínhamos batido com o nariz nas portas várias vezes. A passagem de ano é dos acontecimentos mais importantes no Japão e a malta vai para a terra visitar as famílias. Ou seja, tudo o que é bom de ver está fechado nessa semana. Já nos tinham “barrado” no Metropolitan Museum of Tokyo e o mesmo estava prestes a acontecer no palácio. Os jardins eram bonitos e tal. Uns canais muito agradáveis. O ambiente mais tradicional. Mas à porta havia mais armamento que na faixa de Gaza. Palácio fechado, Bernardo amuado, um frio do canário e um jardim mal amanhado. Desisto! Siga.
Se já tínhamos achado o Yoyogi um programa digno de malta que abusa dos ácidos, não estava de todo preparado para o episódio que se seguia. Em Akihabara os nossos amigos de olhos em bico concentraram tudo o que é eletrónica, banda desenhada, mitologia e pornografia num só bairro. Arranha-céus às cores cheios de néones sobre jogos e consolas. Bonecas gigantes de olhos enormes e vestimenta para lá de provocadora. E meninas na rua a fazer propaganda às lojas, vestidas como as ditas bonecas. Só tarados da tecnologia a correr de um lado para o outro. Sai da sex shop, entra no salão de jogos. Sai do salão de jogos entra na loja das bandas desenhadas. E sai dessa para seguir para a próxima. Tudo novamente com um ritmo completamente desenfreado.
Nós passeávamos de boca aberta sem crer acreditar muito bem naquelas figuras. Até hoje não sei se o que era pior eram as meninas que se sujeitavam àquilo ou os velhos que ainda mantêm a obsessão com os brinquedos. Perturbador, mas um espetáculo de se ver.
O fim do dia/noite foi mais calminho. Jantámos num restaurante típico japonês em que o vizinho do lado nos dava instruções de como é que se comia. No canto da sala estava um cavalheiro argelino com três metros de altura, por três de largura, que falava aos berros. E mesmo à nossa frente tivemos o prazer de desfrutar da conversa da Kelly com a Rose. Duas strippers/prostitutas brasileiras que trabalhavam num bar que, vim a descobrir mais tarde, pertence à Yakusa (máfia japonesa). Muito caladinhos, para não perceberem que nós as percebíamos, pagámos o jantar e fugimos a correr para o hotel.
Não sei se foi das aragens conspurcadas de Akihabara, ou talvez da companhia agradável do restaurante, mas a Marta apanhou uma qualquer comprometedora infeção no olho. Perguntámos por aí e descobrimos uma cadeia de parafarmácias, abertas 24h. Até aqui tudo bem. Agora eu que tenho o meu japonês meio enferrujado, já não me lembrava como é que se pedia pingos para os olhos naquela terra. Seguiu-se uma das mais hilariantes sessões de mímica que já tive. Com muitos gestos, gemidos e onomatopeias pelo caminho, mas acabámos por conseguir aquilo que ficou conhecido como o pingo mágico. Não faço ideia o que ela nos deu. Mas o facto é que metemos a poção japonesa no olho da miúda e hoje em dia a Marta até vê melhor do que antes.